Entrevista a Imãeginária… ou como comunicar através de desenhos

Imãeginária

Quis o acaso que encontrasse a Imãeginária no Instagram e fiquei com uma curiosidade imensa de conhecer melhor esta artista… que tem muito para dizer, através de desenhos e não só!

A identidade é um segredo que quer manter, e a idade diz-me que está “na segunda metade da década dos 30”. Mas, as ideias e ideais, esses, mostra-os sem filtros na rede social, porque considera que é o seu “é o meu grito do Ipiranga enquanto mulher feminista”. Decidiu dar voz a tantas mulheres (como nós) e o MulheresEmViagem.pt decidiu dar-lhe a voz aqui, também. Leia a entrevista abaixo, onde não falta um olhar nu e cru sobre a Maternidade.

Maternidade ©imãeginária
©imãeginária

Embora tivesse criado a página há mais de um ano, só recentemente começou a publicar com maior regularidade. “Na altura em que criei a página o objetivo já era falar da maternidade de uma forma aberta, desviando-me aos filtros que tendem a romantizar a maternidade em tons pastel, como via acontecer em tantas páginas. Ironicamente, foi a própria maternidade e a falta de tempo que me foi desviando de dar início ao imãeginária“.

– És ilustradora de profissão?

Não, estou a dar o salto para o mundo da ilustração a partir de uma área completamente diferente e sem qualquer componente artística. Na verdade, sempre tive uma veia criativa muito saliente e quis seguir uma carreira artística, o que acabou por não se proporcionar até ao momento em que a maternidade me abalroou por completo e me fez colocar todo o meu passaado e o meu futuro em perspetiva. Diria também que me deu a coragem de me desviar de um síndrome de impostora muito marcado e dar uma oportunidade a mim própria.

– Como começou este projeto (posso chamar-lhe assim?) de pôr em desenho a desmistificação de vários temas ligados ao universo feminino?

O primeiro post no imãeginária surgiu de um lugar de revolta relativamente à violência obstétrica; eu queria contribuir e, aliando o meu sarcasmo à ponta da minha caneta, criei o primeiro cartoon satírico sobre o tema.

Dado o pontapé de saída e embalada pelo feedback que tive, continuei a desenhar, essencialmente, sobre maternidade, feminismo, saúde mental, feminilidade e relacionamentos.

Arrisco dizer que o imãeginária, na sua ausência de filtros, é o meu grito do Ipiranga enquanto mulher feminista. Se eu sentia que sempre tinha sido feminista, mas nunca ativista, o imãeginária permitiu-me passar a sentir que contribuo para quebrar o silêncio das mulheres e dar-lhes voz – aliás, recebo mensagens de agradecimento neste sentido.

Acredito que falar e desenhar sobre temas tabu contribui, precisamente, para que deixem de o ser e para trazer. É urgente derrubar preconceitos e trazer o foco para a realidade e as necessidades das mulheres.

©imãeginária
©imãeginária

– Já fazias as ilustrações mas só depois as colocaste no Instagram?

Não, as ilustrações do imãeginária vão sendo criadas especificamente para a página desde o primeiro post.

– A Vulva. A representação de parte do orgão sexual feminino está a mudar, digo eu. Tempos houve que era para esconder, por vergonha, (falso) pudor etc. Representar a diversidade de vulvas nas mulheres, assim como as mamas é algo que ajuda a libertar a sexualidade das mulheres?

Acredito que tocar os extremos pode integrar processos de mudança de consciência social. Vejo na exposição exagerada uma ferramenta para virmos a alcançar um ponto intermédio sobre temas que só não são considerados normais por não serem falados.
Neste caso específico, ilustrar a realidade da diversidade dos corpos femininos pode servir como móbil para combater não só o extremo da ocultação dos corpos e da sexualidade feminina, mas também para desconstruir um padrão de beleza artificial e inalcançável.

– A Maternidade, o puerpério, as dores, etc… são também temas que abordas. Assim como a violência obstétrica.
São temas que ainda têm de deixar de ser romantizados? Os desenhos são mais crus e diretos do que as palavras?

Sobre o tema da maternidade, ainda me custa aceitar a quantidade de coisas que desconhecia e para as quais não estava preparada. Enquanto pessoa controladora, nunca dei um passo sem saber onde pousava o pé. Para a gravidez e para o parto estudei incessantemente – provavelmente, até de forma nada saudável, motivada por uma ansiedade patológica.

No final da gravidez eu achava que estava preparada, porque sabia muito sobre o assunto. O parto correu bem, mas daí para a frente, muitas coisas correram mal. Não estava preparada para a realidade extra eventos fisiológicos: o ser mãe, o deixar de ser eu, o não saber quem eu era (sou?), o ser companheira, o ser produtiva no trabalho, a amamentação, a dificuldade em pedir e aceitar ajuda, a privação de sono… Para bem da saúde mental de mães & pais estes temas têm de deixar de ser romantizados e, acima de tudo, abordados numa fase pré-natal.

Eu acredito no poder das palavras – adoro palavras – e acredito que, potencialmente, têm o mesmo poder de um desenho. A grande diferença está na velocidade a que conseguimos chegar a uma pessoa e transmitir-lhe uma ideia. Se atualmente vivemos à velocidade da luz, o desenho tem a vantagem de transmitir rapidamente a mensagem que queremos.

– Sentes que as mulheres que te seguem se veem representadas nos temas e nos desenhos? Obténs esse feedback?

Tenho recebido muitos agradecimentos por parte de mulheres que se identificam com o que desenho e escrevo – e é isto que me motiva a continuar. Dizem-me também que o tom humorístico que tendo a imprimir nas minhas representações traz leveza a tópicos pesados, mas que as mulheres sentem urgência em ver abordados.

– Como é o teu processo criativo (sei que deve diferir de dia para dia, mas algo que seja comum…) de onde vem a maior parte das ideias?

Um dos pedidos que faço sempre que surge uma proposta de ilustração é que não me digam explicitamente como querem ou imaginam o desenho, mas sim que me expliquem aquilo que querem ver representado, precisamente pelo valor que dou ao processo criativo.

Diria que me baseio fundamentalmente em analogias e trocadilhos de palavras. Posso passar dias e noites a marinar um conjunto de ideias até conseguir encontrar uma forma de as fundir numa só.

Recorro à estratégia “hare brain, tortoise mind”, partilhada pelo John Cleese no livro “Creativity”, quando me sinto em crise criativa; seria demasiado longo explicá-la aqui, pelo que deixo a sugestão de leitura. Tento também juntar humor e dificilmente consigo fugir ao meu tom sarcástico instrínseco.

Durante a execução do desenho em si, se estiver sozinha – o que é raro – gosto de acompanhar com música, mas a verdade é que a maior parte dos desenhos que se encontram no imãeginária têm um contexto em comum por trás: uma mãe cansada, sentada no sofá com o filho ao lado, aos saltos…e música só se for a do genérico de algum desenho animado! E agora que penso nisto, acho que dava uma boa ilustração, não?! :)

– Vendes os teus trabalhos que publicas no Instagram?

Não vendo, mas estou em vias de começar a disponibilizar alguns trabalhos para venda, precisamente por algumas pessoas terem manifestado esse interesse, o que me deixa muito contente. Vai sair em breve o site do imãeginária… :)

– Que tipo de colaborações gostavas de fazer?

Qualquer colaboração em prol de causas sociais apela ao meu coração, mas estou sempre recetiva a propostas relacionadas com os temas que exploro no imãeginária.

©imãeginária
©imãeginária