Nas “Conversas do Confinamento”*, Elsa Ribeiro Gonçalves** falou da paixão pelas viagens e de como começou a viajar sozinha. Contou também sobre como as viagens a ajudaram a ultrapassar uma depressão. O sentimento de viajar a solo é de “empoderamento pessoal. Depois de viajar sozinha, só ainda o fiz na Europa, qualquer obstáculo que tenhas aqui em Portugal é fácil porque aqui tens uma rede de apoio e lá fora estás por ti”, disse-me.
*O que são as “Conversas do Confinamento”? Perante um novo confinamento geral, em Portugal, iniciado a 15 de janeiro de 2021, decidi começar uma série de entrevistas, de forma a dar a conhecer o trabalho de muitas mulheres, em várias áreas, mas sobretudo no trabalho em prol do outro, na saúde, sexualidade, no desenvolvimento pessoal, no auto-conhecimento e nas viagens, claro!
Entrevistas que trouxessem conhecimento e inspiração durante todo o confinamento.
Essas entrevistas foram o primeiro passo para criar o site Mulheres em Viagem, que é um site irmão do Viaje Comigo.
Mulheres em Viagem… porque a vida é uma viagem!
E quem sou eu? Sou a Susana Ribeiro, jornalista, comunicadora, viajante e fundadora do site de viagens Viaje Comigo e do Mulheres em Viagem. E a entrevistadora das “Conversas do Confinamento”.
Sejam bem-vind@s ao Mulheres em Viagem.pt – uma Comunidade de e para Mulheres Extraordinárias… como Tu!
**Quem é Elsa Ribeiro Rodrigues?
Elsa Ribeiro Gonçalves, jornalista, autora do “Singularidades de uma Mulher de 40”. Tenho 44 anos, natural e resido em Tomar, casada há 14 anos e uma filha com 13 anos, Leonor.
Casei aos 30 e fui mãe aos 31 anos, nem sequer tive oportunidade para a lua-de-mel. Entretanto ser mãe é uma viagem e senti que fiquei sem identidade, deixei de ser a Elsa e passei apenas a ser a mãe da Leonor. Não foi fácil lidar com isto. Tinha muitos sonhos que tive que arrumar, até pela questão económica. Se gastas em fraldas e leite não chega para as viagens.
Este estado depressivo deve ter começado pelos 32 anos e atingiu o pico máximo aos 39, quando não conseguia sair da cama sem o verbalizar a mim mesma. Estava completamente destruída e sem um pingo de amor próprio. Andava cá só porque sim. Sem saber como sair deste buraco, acabei por ir ao medico que me diagnosticou depressão pós reativa e bipolaridade e basicamente andava a toque de caixa, cheia de químicos. Um dia, percebi que o que me faltavam eram os sonhos e, numa ocasião em que me aumentaram a medicação e fui à farmácia aviar a receita com novos medicamentes a conta atingiu os 125 euros.
Percebi que com este dinheiro já podia comprar ou dar entrada para uma viagem e fui o que fiz. Este foi o momento de viragem, da subida do fundo do poço. Foi uma decisão muito solitária, tomada sem consultar ninguém. Nunca mais fiquei doente ou tomei medicamentos desde que comecei a viajar.
– Quando começaste a viajar sozinha? Já o tinhas feito mais nova?
Aos 27 anos. Sempre tive o sonho de viajar, apesar de ninguém na minha família nuclear o fazer. Cedo decidi que a minha vida ia passar por conhecer o mundo, foi por isso que também quis ser jornalista. Quando terminei o curso superior de jornalismo, arranjei um emprego (pouco) satisfatório na função pública, mas que me dava rendimentos suficientes para o fazer. A primeira viagem que fiz sozinha foi aos 27 anos a Barcelona. Como nunca tinha andado de avião fui mesmo de comboio. Nunca tinha viajado antes. Mais tarde também me despedi da função pública para começar a viver o sonho do jornalismo, mesmo mais incerto e menos rentável. A melhor decisão que podia ter tomado.
– O que te levou a viajar sozinha?
Fui sozinha porque tinha este enorme impulso de viajar e, a verdade, é que sempre que queria ir não arranjava companhia. A quem eu perguntava ou não tinham disponibilidade ou dinheiro. Basicamente, percebi que se estivermos sempre à espera dos outros nunca fazemos nada. Fui sozinha porque se estivesse à espera que os outros também quisessem ir nunca teria ido. Entre ir sozinha ou não ir, acabei por escolher ir…
– Porque optaste a viajar sozinha?
Uma questão prática, de conseguir efetivamente sentir o pulso ao mundo, sendo que as viagens a solo são também uma oportunidade de autoconhecimento. O meu marido, que respeito muito e também me respeita, não tem como prioridade viajar. Tive que aprender a respeitar a sua escolha para que ele também respeitasse a minha. Não o obrigo a ir, não me obrigo a ficar, simples. A minha filha ainda é pequena e tem a escola, o que impede que viaje na minha companhia pois vou sempre na altura do meu aniversário, a 6 de junho. Gostava muito de viajar com ela, já fomos as duas à Suíça quando ela tinha 5 anos, antes de entrar no ensino básico. Mesmo assim, por ser mais difícil para mim viajar acompanhada (até pela questão económica) a opção foi mesmo vir sozinha, mas também já viajei com algumas amigas (solteiras e sem filhos).
– Viajas também em família? Como distribuis essas viagens, num ano normal?
Não, apenas as viagens cá dentro ou para a praia. Para além da minha viagem internacional anual – o meu objetivo é um aniversário, uma viagem – que faço no início de junho, vou sempre com eles para a praia em agosto, aquelas férias típicas de todas as famílias. Amo muito a minha família, mesmo que não gostem tanto de viajar como eu. Tenho o frigorífico cheio de ímanes das viagens, eles brincam comigo por causa disso.
– Quando te deu o clique que tinhas de ir, nem que fosses sozinha?
Sim, era isso ou continuar a tomar caixas antidepressivos ou ansiolíticos. Não havia mesmo escapatória. Era isso ou continuar morta em vida. Lembro-me de pensar, se pelo menos fizer uma viagem por ano já vai valer a pena trabalhar para esse objetivo.
– Tiveste receio das críticas?
Não. Quando chegas a este estado de total miséria emocional, pouco te importam as críticas porque ninguém calça os teus sapatos. Ninguém está dentro de ti para perceber o teu sentir. Por isso vou muitas vezes e nem digo nada a ninguém, por vezes a minha mãe só sabe quando chego lá. Mas sim, muitas pessoas “desapareceram” da minha frequência visual quando, sendo casada e mãe, comecei a viajar sozinha especialmente as mães que só vivem para os filhos. Não as julgo, mas não tenho que ser igual a elas. Escrevi um livro de ficção que publiquei em maio de 2018, “Singularidades de uma Mulher de 40″ onde abordo esta temática de mães que se perderam nas teias da maternidade. Também tenho uma página “Singularidades de uma mulher” com cerca de 23 mil seguidores onde abordo estas temáticas e explico como saí do fundo do poço.
– Qual o destino que mais gostaste?
Cada viagem é única. Gostei muito de Itália, adorei Positano e toda aquela paisagem da costa amalfitana. Talvez uma que me tenha marcado mais foi ter ido a Stonehenge, no sul de Inglaterra. Foi a realização de um sonho. Mas a minha viagem preferida é sempre a próxima.
– Algum desafio a viajar sozinha?
Há sempre desafios, mas eu nunca me coloco a jeito. Ou seja, quando estou sozinha num país, por norma acordo cedo e regresso ao hotel antes de ser noite. As minhas viagens são para explorar a componente cultural. Quando vou opto por não dar muito nas vistas, ando sempre bastante prática, ou seja, pouco ou nada atrativa para o sexo oposto, para que possa estar em paz. Respeito e amo muito o meu marido e o facto de ele respeitar a minha vontade sem problemas só melhorou o nosso casamento a todos os níveis. Volto sempre mais nutrida a cada viagem. As fotografias são também sempre um desafio para quem viaja sozinha, mas acabei por perceber que se pedir aos japoneses eles tiram-te sempre. Também te podes oferecer para tirar a algum casal e eles depois também te tiram.
– Como mulher, quais as facilidade e dificuldades que possas ter encontrado em viagem?
Nenhuma em especial. Vou e volto sem problemas, cada desafio é para superar. Foco-me sempre na solução, nunca no problema. Quando aterrei em Paris, nevava torrencialmente, não havia táxis a circular e só tinha a morada do hotel. Acabei por passar a noite numa croissenterie, à espera de ver movimento na rua. Cheguei ao hotel às seis da manhã e às oito já estava de pé para conhecer a Torre Eiffel. Em Barcelona fui assaltada nas Ramblas, no primeiro dia, percebi que tinha que ter algum cuidado que nas viagens também há dissabores. Também já me aconteceu chegar mesmo em cima da hora para conseguir apanhar o avião e dormi algumas vezes no aeroporto à espera da hora do voo.
– Qual o sentimento quando viajas?
Especialmente de empoderamento pessoal. Depois de viajar sozinha, só ainda o fiz na Europa, qualquer obstáculo que tenhas aqui em Portugal é fácil porque aqui tens uma rede de apoio e lá fora estás por ti. Apanhar ou não o avião depende unicamente de ti. Já tive alguns desafios, mas foram todos superados e hoje mesmo essas dificuldades são memórias com sorrisos. Um dia, quando for velhinha e olhar-me ao espelho, quero exclamar: boa Elsa, valeu a pena!
– E no que é diferente, em ir sozinha ou acompanhada?
És totalmente autónoma e, por isso, cem por cento responsável por todas as tuas escolhas. Quando vais acompanhada até podes querer ir para a direita, mas tens que ouvir se a outra pessoa também quer ir para esse lado. Quando vais sozinha és tu que decides tudo, até se acordas de madrugada ou se passas a manhã no quarto do hotel a espreguiçar. O que sinto é que muitas pessoas não gostam de viajar sozinhas porque não querem ter essa responsabilidade. Porque se correr menos bem também tens que assumir essas escolhas. Aprendi, na escola da vida, que eu sou a única responsável por todas as minhas escolhas. E aprendi também que tudo o que não é bênção, é lição, por isso … venha a próxima viagem!