Porque é que o turismo e as viagens para mulheres estão a crescer cada vez mais? De cada vez que acompanho um grupo como tour líder – e nos meus grupos 85% dos participantes são mulheres – faço essa pergunta: porque é que as mulheres são a maioria? Porque os homens arranjam companhia? Ou porque eles vão mais facilmente sozinhos? E as mulheres têm receios em irem sozinhas viajar? Fui pesquisar e, depois de ler algumas reportagens feitas a este respeito, e ouvir algumas opiniões, decidi escrever este texto. Deixem-me vocês também a vossa opinião.
A resposta àquelas perguntas, só cada um poderá dar. Cada um tem os seus motivos. E não querendo entrar em generalizações, mas inevitavelmente entrando… são as mulheres mais aventureiras no sentido de irem, sozinhas, viajar com um grupos de desconhecidos? Deixo para vocês a reflexão, no entanto, é notório que o turismo dedicado ao público feminino está a crescer, em todo o mundo.
Algumas razões que podem estar associadas a isso:
– As mulheres têm vindo a adquirir um poder económico, que antes não tinham. Têm vindo a obter promoções e a ascender a lugares de chefia que antes não tinham. Dependiam do dinheiro que o marido lhes dava;
– Também não tinham liberdade para o fazerem sozinhas: ou tinham de ter (mesmo ainda em adultas) a autorização do pai (ou da família) ou do marido para viajarem;
A propósito deste último ponto a National Geographic publicou, em 2018, um artigo sobre “Como Viajavam as Mulheres em 1920”. Neste caso é referente às mulheres norte-americanas, em Portugal seria um pouco mais limitativo… e onde diz:
“Em Portugal, antes da Revolução de 25 de abril de 1974, também conhecida como a Revolução dos Cravos, o Código Civil de 1966, em vigor à época, estabelecia que “o marido é o chefe de família, competindo-lhe nessa qualidade representar a esposa e decidir em todos os atos da vida conjugal comum”. Esta disposição legal supunha uma limitação dos direitos da mulher portuguesa, incluindo o direito de voto.
Num passado não muito distante, a mulher portuguesa casada não podia trabalhar sem o consentimento do marido e muito menos viajar, sendo que este tinha inclusive o direito de abrir a correspondência dirigida à mulher. Para viajar para o estrangeiro sozinha, era necessário que o pai, no caso da mulher solteira, ou o marido autorizasse previamente e por escrito a saída da mulher de território nacional”, refere o artigo sobre “Como Viajavam as Mulheres em 1920”
Mais (possíveis) razões para cada vez mais haver mulheres a viajarem (sozinhas ou acompanhadas) e tours pensadas especialmente no sexo feminino:
– A informação que circula na internet, desfaz medos de viajar, receios infundados relacionados com culturas ou religiões. Esse acesso a informação, por parte de outros viajantes poderá fazer com que haja cada vez mais mulheres a viajarem (sozinhas, em grupo ou acompanhadas);
Devido a essa procura, existem também locais (como spas, por exemplo) que contemplam já tratamentos especializados para o sexo feminino. Assim como…
– Empresas de atividades começaram a pensar também em mulheres a viajarem sozinhas, como retiros no Feminino (Sagrado Feminino); yoga para mulheres; surf para mulheres; aulas de skate; etc.
– A segurança: há mulheres que se sentem num ambiente mais seguro quando acompanhadas por outras mulheres. A La Voyageuse criou um couchsurfing 100% só para mulheres. Mulheres que recebem outras mulheres nas suas casas.
Usando uma frase que roda pela internet: “Um homem rodeado de mulheres brinca e diz que está no paraíso, uma mulher rodeada de homens sente que a sua vida pode estar em risco”. Portanto, quando se fala em viajar em grupo existem mulheres que se sentem mais seguras se forem com outras mulheres. As mesmas que sentem essa insegurança.
Agências de viagens especializadas em viagens para mulheres:
– Apesar de o Mulheres em Viagem não ser uma agência (como empresa) tem o conceito que funciona como tal – funciona através de parcerias com outras agências de viagens, especializadas na área. Em 2021 fiz tours nas Aldeias Históricas de Portugal.
– A Girlfriends Travel reúne pessoas (mulheres) com as mesmas preferências de viagens e, grupos: para quem gosta mais de praia, mais de desporto, etc. Na mesma onda, existe a Women Traveling Together,
– Em Bali, na Indonésia, a Surf Goddess Retreats assume-se como uma empresa que promove surf e ioga especialmente pensados para mulheres.
– Na Finlândia, há a SuperShe… uma ilha com atividades só para mulheres. Um lugar de luxo, como os preços de uma semana (cerca de 4 mil dólares) podem confirmar. Com o mesmo nome, a SuperShe tem também bebidas alcoólicas no mercado.
– Muito interessante é o projeto Josephine’s, em Zurique, na Suíça. Uma GuestHouse só para mulheres, mas que também funciona como abrigo de emergência para mulheres que querem fugir a cenários de violência doméstica e não têm para onde ir.
Há pouco tempo, a National Geographic (NG) publicou um artigo sobre “O futuro das viagens é feminino. Está aqui a razão” (publicada a 5 de março de 2020), onde reuniu uma série de declarações de pessoas que estão à frente de empresas de viagens, dedicadas ao público feminino.
Resumindo, há um envolvimento maior – e também uma maior sensibilidade – de quem organiza essa viagens e quer colocar mulheres (nos países visitados) a serem guias e a trabalharem com os turistas. Se estamos a falar de países em vias de desenvolvimento, estamos a dar a essas mulheres um salário, uma independência, em que em muitos desses países pode significar um recomeço de vida, uma saída de casa onde vivem com relações tóxicas e abusivas.
E ao conseguirem a sua independência financeira, conseguem também aumentar a sua auto-estima… terem maior liberdade. Estamos a falar de profissões que não há muito tempo lhes estariam vedadas, e só estariam abertas para o sexo masculino: como serem donas de um restaurante, condutoras de autocarros de turistas, chefs de cozinha ou guias de montanha, por exemplo.
Recordam algumas dinamizadoras de viagens de aventura só para mulheres, nos anos 90, que foram alvo de chacota… hoje, o “nicho atingiu o seu potencial”, dizem. Agora, existem inúmeras guias mulheres para atividades no exterior e desportivas. Também falam as empresas envolvidas que “a segurança é o fator (principal) para muitas mulheres”. O que muda, então? “Estamos a retirar as limitações para as mulheres”, diz uma das empreendedoras. E assim elas viajarão cada vez mais.
E há experiências únicas que, de facto só poderão ser feitas por mulheres – uma vez que os próprios países têm essas divisões, com base na religião e costumes. Na peça da NG, falam de estar num salão de beleza, a conviver com locais… no Irão; ou ir nadar numa praia só de mulheres em Antalya, na Turquia. Algo que só mulheres poderão fazer.
Essas empresas de viagens dão prioridade a trabalhar com mulheres, em vários países, desde o design de joalharia, no México, até às “produtoras de vinho de Portugal”. “Empresas de viagens (com mulheres na direção) são construídas sobre o conceito de que mulheres brilham mais – e baixam a sua guarda – quando estão numa comunidade de mulheres”.