Simone Veil: a mulher que mudou a França e inspirou o mundo

Simone Veil

Projeto “52 Mulheres em 2025 – MEV, MulheresEmViagem.pt”. A história de uma mulher, por cada semana do ano. Durante o ano de 2025, o MulheresEmViagem.pt faz uma homenagem a Mulheres de todo o Mundo, de vários países, de várias áreas de formação, que se tornaram referências. Algumas já não estão entre nós, mas muitas outras ainda estão a transformar o nosso mundo, dia após dia, com o seu esforço e trabalho por um mundo mais igualitário! Por um mundo com mais referências femininas, sobretudo em áreas que nos estiveram vedadas durante séculos (milénios, por vezes…).

Mais Sobre o Projeto “52 Mulheres em 2025 – MEV, MulheresEmViagem.pt”. A história de uma mulher, por cada semana do ano.

Simone Veil é um nome incontornável na história da Europa contemporânea. Sobrevivente do Holocausto, feminista, política, jurista e defensora incansável dos direitos humanos, tornou-se uma das figuras mais respeitadas de França e um símbolo da emancipação feminina. O seu percurso é um testemunho de força, dignidade e determinação.

Nascida Simone Jacob, a 13 de julho de 1927, em Nice, cresceu numa família judaica culta e progressista. A sua juventude foi interrompida brutalmente pela Segunda Guerra Mundial. Em 1944, com apenas 16 anos, Simone foi deportada com a mãe e a irmã para o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau. O pai e o irmão desapareceram, provavelmente mortos nos campos da morte. Sobreviveu, mas nunca esqueceu. E fez da memória uma missão.

Do horror à esperança

Após regressar a França, Simone Veil estudou Direito e Ciência Política. Casou com Antoine Veil, com quem teve três filhos, e iniciou uma carreira pública marcada pela ética, pela justiça e pela defesa dos mais vulneráveis. Trabalhou como magistrada e, mais tarde, no Ministério da Justiça, onde começou a lutar por condições mais humanas nas prisões e pelos direitos das mulheres.

O trauma da guerra moldou a sua visão do mundo. Para Simone Veil, a liberdade, a igualdade e a dignidade humana não eram conceitos teóricos — eram conquistas que exigiam vigilância constante. Essa consciência profunda marcou toda a sua vida pública.

A batalha pela legalização do aborto

Nos anos 70, França vivia um momento de viragem social. O feminismo ganhava força e as mulheres exigiam o direito de dispor do seu corpo. Simone Veil, então Ministra da Saúde do governo de Valéry Giscard d’Estaing, foi chamada a enfrentar um dos debates mais polémicos da história francesa: a legalização do aborto.

Em 1974, apresentou à Assembleia Nacional a lei que ficaria conhecida como “Lei Veil”, que descriminalizava a interrupção voluntária da gravidez. Foi um momento de enorme coragem. Durante o debate parlamentar, Simone Veil foi alvo de insultos violentos, ataques pessoais e até comparações vergonhosas com os nazis – ironicamente, depois de ter sobrevivido a Auschwitz.

Mas manteve-se firme. No seu discurso histórico, disse:

“Nenhuma mulher recorre ao aborto de ânimo leve. Basta ouvi-las para compreender a dor que carrega essa decisão.”

A lei foi aprovada em janeiro de 1975, transformando a vida de milhões de mulheres francesas e tornando-se um marco no movimento global pelos direitos reprodutivos. Simone Veil passou a ser, desde então, um símbolo da libertação feminina, da autonomia e da compaixão política.

Uma europeísta convicta

Depois do seu trabalho no governo francês, Simone Veil continuou a quebrar barreiras. Em 1979, foi eleita a primeira presidente do Parlamento Europeu, após as primeiras eleições diretas da instituição. A sua eleição foi um sinal de esperança num continente ainda a curar as feridas da guerra.

Simone Veil acreditava profundamente no projeto europeu como forma de garantir a paz e a cooperação entre povos. Para ela, a Europa era o antídoto contra o ódio, o nacionalismo e a divisão que tinham levado à catástrofe do Holocausto.

Durante o seu mandato, defendeu políticas sociais, a igualdade entre homens e mulheres e o fortalecimento da Democracia europeia. Até ao fim da vida, foi uma voz ativa contra o antissemitismo, o racismo e todas as formas de intolerância.

O legado de Simone Veil

Simone Veil faleceu em 2017, aos 89 anos. Em 2018, foi trasladada para o Panteão de Paris, tornando-se apenas a quinta mulher a receber essa distinção. A cerimónia foi um momento de reconhecimento nacional e de emoção profunda. O seu caixão entrou no Panteão acompanhado pelo do marido, Antoine Veil, como símbolo de uma vida partilhada ao serviço da República.

O túmulo de Simone Veil está ladeado pelas palavras: “Nous vous aimons” — “Amamo-vos” — deixadas pela multidão que, em vida e após a morte, a considerou uma das maiores figuras morais do século XX.

O seu legado vai muito além da política. Simone Veil é lembrada como um exemplo de integridade, de coragem ética e de feminismo humanista. Defendeu as mulheres sem as isolar da sociedade, acreditando que a igualdade de género era inseparável da justiça social.

Simone Veil e o feminismo contemporâneo

Num tempo em que os direitos das mulheres voltam a ser ameaçados em várias partes do mundo, a figura de Simone Veil ganha nova atualidade. A sua vida lembra-nos que as conquistas femininas não são garantidas, e que cada geração tem de continuar a lutar.

A sua postura – firme, racional, empática – mostra que o feminismo pode ser também uma força de união, baseada na escuta e na compaixão. Para Simone Veil, a política devia servir as pessoas, e não os egos ou as ideologias.

Hoje, em França e na Europa, o nome de Simone Veil é sinónimo de resistência, justiça e progresso. O seu exemplo continua a inspirar mulheres líderes, médicas, jornalistas, ativistas e cidadãs comuns que acreditam num mundo mais igual e humano.

Simone Veil não se via como heroína. Mas foi, sem dúvida, uma das mulheres mais corajosas e transformadoras do seu tempo. Sobreviveu ao horror, acreditou na reconciliação e defendeu os direitos humanos com uma serenidade rara.

Num século marcado por guerras, extremismos e desigualdades, a sua história é um lembrete de que a liberdade nunca é um dado adquirido: é uma construção diária, feita de escolhas, empatia e coragem.