Projeto “52 Mulheres em 2025 – MEV, MulheresEmViagem.pt”. A história de uma mulher, por cada semana do ano. Durante o ano de 2025, o MulheresEmViagem.pt faz uma homenagem a Mulheres de todo o Mundo, de vários países, de várias áreas de formação, que se tornaram referências. Algumas já não estão entre nós, mas muitas outras ainda estão a transformar o nosso mundo, dia após dia, com o seu esforço e trabalho por um mundo mais igualitário! Por um mundo com mais referências femininas, sobretudo em áreas que nos estiveram vedadas durante séculos (milénios, por vezes…).
A mulher que desafiou o Portugal conservador
Falar de Natália Correia é falar de uma mulher indomável. Nasceu em São Miguel, nos Açores, em 1923, e desde cedo mostrou que não se encaixava em moldes pré-definidos. Cresceu entre o Atlântico e Lisboa, mas nunca perdeu o fogo das ilhas, que se traduz em paixão, verbo e coragem.
Num Portugal ainda dominado pelo Estado Novo, em que a mulher era esperada ser recatada, obediente e silenciosa, Natália escolheu ser o oposto. Foi poetisa, romancista, ensaísta, dramaturga e deputada, mas acima de tudo, foi uma voz livre. Uma mulher que acreditava que o erotismo, o pensamento e a palavra eram instrumentos de libertação.
A palavra como arma
Natália Correia usava a palavra com elegância e precisão, mas também com ironia. A sua escrita era feita de beleza e provocação, misturando o sagrado e o profano, o amor e a revolta.
Em 1950, publica “Poemas”, a sua primeira obra, e mais tarde o célebre “O Vinho e a Lira”, onde a sensualidade se transforma em linguagem de libertação feminina. No auge da ditadura, escreve textos onde a mulher não é submissa, mas criadora: do prazer, do pensamento, da própria vida.
Mas o regime não lhe perdoou essa ousadia. Em 1966, o livro “Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica”, que organizou com outros autores, foi apreendido pela censura. Natália foi julgada e condenada a pena de prisão suspensa. Contudo, nunca se calou. “A liberdade é a minha religião”, disse uma vez. E foi fiel a essa fé até ao fim.
Entre o Parlamento e o Botequim
Nos anos 1980, Natália Correia entra para a vida política como deputada do Partido Social Democrata. E o Parlamento rapidamente percebeu que não estava diante de uma mulher comum. De língua afiada, ideias firmes e uma inteligência fulgurante, tornou-se uma das vozes mais marcantes da Assembleia da República.
Ficou célebre a resposta que deu a um deputado conservador que defendia a punição das mulheres que interrompessem a gravidez. Natália respondeu com um poema sarcástico, que ficou para a história como um manifesto de liberdade e ironia:
“O acto sexual é um acto que, praticado sem amor, é um crime,
mas, praticado com amor, é um milagre.”
Quando não estava no Parlamento, estava no Botequim, o bar que fundou em Lisboa, no Bairro Alto, e que se tornou ponto de encontro de artistas, intelectuais e boémios. Por lá passaram Mário Cesariny, Ary dos Santos, Sophia de Mello Breyner, José Saramago, Amália Rodrigues e tantos outros.
O Botequim era mais do que um espaço: era um templo da liberdade de pensamento e da poesia, uma extensão da alma de Natália.
Feminismo à portuguesa: a força de ser mulher
Natália Correia não se considerava feminista nos moldes académicos, mas a sua vida foi uma forma de feminismo vivido. Lutou para que as mulheres tivessem voz, corpo e lugar. Rejeitava a moral hipócrita que limitava a mulher ao lar e à obediência.
Para ela, a mulher era criadora, não apenas reprodutora. Era musa e poeta, amante e pensadora. “A mulher é uma deusa mutilada”, escreveu.
A sua visão da feminilidade misturava misticismo, erotismo e liberdade. Defendia o direito da mulher ao prazer, ao amor, à criação artística e à independência intelectual. E fê-lo num tempo em que tudo isso era considerado escandaloso.
Hoje, quando falamos de empoderamento feminino, de liberdade sexual e de igualdade, as palavras de Natália Correia continuam a ecoar. Porque ela foi pioneira. Foi a mulher que escreveu e viveu o que outras apenas sonhavam.
O legado de uma mulher imortal
Natália Correia faleceu em 1993, mas o seu legado continua vivo. O seu nome está gravado em ruas, escolas e bibliotecas, mas mais importante do que isso, está gravado na memória cultural portuguesa.
Foi uma mulher que uniu a literatura, a política e o espírito rebelde. Que ensinou que a beleza e a inteligência não são opostas, e que a sensualidade pode ser também uma forma de revolução.
Hoje, reler Natália é redescobrir uma força feminina que ainda inspira. É um convite a sermos ousadas, criativas e livres — como ela foi.

