“Hipersensível” é o primeiro álbum de Rita Onofre

Rita Onofre

Depois da edição do EP de estreia, “Raiz”, em 2021, Rita Onofre prepara-se agora para lançar o seu primeiro álbum “Hipersensível”. A apresentação oficial está marcada para o dia 24 de março 2023 na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa. Neste trabalho, esperam-se 10 temas autobiográficos, de reflexão pessoal e com um olhar mais íntimo sobre a vida da artista, fruto de dois retiros a que se propõs e que lhe deram espaço à introspeção, tendo daí surgido o nome do álbum. Da nossa entrevista, gosto de salientar um conselho que nos deixa: “Eu acredito que o mundo seria melhor se cada um procurasse fazer o que ama”.

Rita Onofre
Rita Onofre

Antes do lançamento de “Hipersensível”, chegou-nos “Rancor”, o segundo single deste novo trabalho, composto “sobre a linha de guitarra mais básica que alguma vez fiz”, revela Rita Onofre.

“Queria falar do peso que carregava, uma pessoa que já não estava na minha vida. Guardava o rancor porque era a forma de ainda a ter por perto, mesmo que me estivesse a consumir. A atitude é infantil e a guitarra é infantil. Até a produção amadurecer a música”, acrescenta.

A acompanhar o processo criativo de Rita, Choro e Ned Flanger “iam criando até que bloqueamos na bateria. Às tantas eu fiz uma tentativa de beatbox para exemplificar o que imaginava e partimos para o drum & bass feliz que ficou. É irónico e eu gosto disso. Agora este tema deixa-me feliz”, revela Rita Onofre. O videoclipe de “Rancor” foi realizado por Luís Água e Pedro Ivan, filmado no Pátio nº2.

MULHERES EM VIAGEM: Para quem não te conhece… quem é a Rita Onofre? A música esteve sempre na tua vida?

RITA ONOFRE:
Nasci em Algés, onde vivi toda a minha vida, e por Lisboa continuo a viver. A música estar ou não na minha vida nunca foi bem uma questão. Cresci numa casa onde se tocava e cantava no final de todas as refeições. Conheci a bossa a ouvir os meus pais, não tanto por ter havido algum disco específico a rodar lá em casa. Lembro-me de estar no 6º ano quando comecei a afirmar com muita convicção que eu ía fazer música como profissão. E as pessoas riam-se e queriam saber se eu queria ser a Colbie Caillat ou a Rihanna – uma interação que me deixava sempre muito desesperada. Desde que comecei a tocar guitarra que comecei a escrever música, e esse sempre foi e continua a ser o lugar que mais me preenche.

Comecei com aulas em casa de guitarra e voz com o Ricardo Pinto e no secundário fiz Produção e Tecnologias da Música na Escola Profissional de Imagem onde nasceu a minha primeira banda, SEASE. Segui para o curso de Jazz no Hot Clube de Portugal. Aprendi toda a linguagem do Jazz onde senti crescer imenso apesar de afirmar e sentir sempre que ser cantora de Jazz não era ainda o meu caminho. Pela lógica das coisas tentei entrar em algumas faculdades em cursos de Jazz com Voz como instrumento, sempre a ser recusada. Nessa altura, lembro-me de ficar muito confusa, de equacionar deixar de fazer música. Depois, algures no processo, lembrei-me que podia só continuar a fazer música, mesmo sem a licenciatura.

Entrei para a equipa dos Great Dane Studios como songwriter em Setembro de 2020. Comecei a escrever música com e para outras pessoas, e a viver desafios criativos que sinto que me fizeram crescer e descomplexar muita coisa na minha cabeça. Atualmente componho música, faço arranjos, gravo e edito vozes, dou aulas e toco como coro de alguns projectos. Tenho este meu projecto a solo que guardo muito perto do coração.

MULHERES EM VIAGEM: Estes trabalhos autobiográficos… foram todos escritos num certo período de tempo, ou eram temas que já tinhas guardado? Escreveste no início de carreira em inglês e, agora, o primeiro trabalho é todo em português…

RITA ONOFRE:
Já estava desde 2017/2018 a escrever algumas coisas em português mas só em 2020 decidi começar a editar música a solo. O EP Raiz foi o primeiro trabalho que fiz, com produção do Choro. Raiz é o começo, do que penso e de como escrevo em meu nome. Por muito idiota que possa parecer, escrever em inglês era ainda para mim algo atrás do qual me escondia, mas em português eu estou despida. Eu fui criada, amada e confrontada em português. Então tudo fica mais cru.

Seguiram-se concertos, a formação de uma banda, e uma equipa. Desde 2020 que tenho vindo a escrever as músicas que formam o meu primeiro álbum – hipersensível. Com produção do Choro (também baixista da banda) e NED FLANGER (guitarrista), entre retiros algarvios e os Great Dane Studios em Paço de Arcos.

“Hipersensível” é um exercício de honestidade e de exposição. De mim para mim. Procuro descobrir através da composição o que tenho guardado na garganta. Já fui muitas vezes chamada de “demasiado sensível” e já pesquisei muitas vezes se ser “hipersensível” é uma condição para descobrir sempre que não interessa muito saber. É o nome deste álbum, que fiz como ferramenta para existir com mais encaixe. Fazer música é muito isso para mim. Uma ferramenta de apaziguamento.

Rita Onofre
Rita Onofre

MULHERES EM VIAGEM: Ainda que os títulos das canções sejam de sentimentos fortes como o rancor ou perdão, ambos têm uma melodia fresca e leve. Como foi o processo de musicar a letra e como caracterizas estas canções?

RITA ONOFRE:
Acho que o carácter suave é algo que eu faço naturalmente. E isso deixa-me feliz, porque estou a escavar coisas que não são boas de se sentir e a transformá-las em algo mais luminoso. A letra e a melodia vêm juntas sempre, neste meu projeto. Na maior parte das vezes são as palavras que me vão dizendo para onde devia ir com a melodia, e eu vou só na viagem.

A “Rancor” tem um carácter marcadamente infantil, porque fala de guardar rancor de alguém como se isso mantivesse o outro por perto. Não mantém, não é saudável e faz mal à pele. Então esse lado “cómico” eu lembro-me de ter bem presente enquanto a escrevia. A “Perdoei” começou por ter uma carácter bem mais melancólico apesar de igualmente colorido na sua harmonia e melodia. Foi só quando começámos os ensaios para os concertos que a “Perdoei” subiu ao estatuto festivo que tem agora – e que eu adoro.

MULHERES EM VIAGEM: Ao escrever temos normalmente uma espécie de catarse, onde libertamos muita coisa. Como te identificas no processo de escrita? Como o fazes? E qual a libertação que isso te traz?

RITA ONOFRE:
Sem dúvida que escrevo música para me libertar. Mesmo que às vezes não saiba de quê. Esse processo é onde eu sou mais feliz, é a minha casa. Compor, sozinha ou acompanhada, especialmente com total liberdade criativa, é o que mais amo fazer. Depende sempre da canção, mas na maioria das vezes sinto-me com uma nova perspectiva sobre a vida; como se nada, afinal, fosse assim tão importante.

MULHERES EM VIAGEM:A terminar, se te pedisse uma auto-análise fora do campo profissional o que poderias dizer. Em que acreditas?

RITA ONOFRE:
Eu acredito que o mundo seria melhor se cada um procurasse fazer o que ama. Então eu estou nessa viagem, com muita descoberta e certezas que viram falsas certezas, e começar de novo muitas vezes. Procuro gostar da minha rotina, focar-me em ser feliz agora. Esqueço-me muitas vezes, mas arranjo sempre forma de me relembrar. Porque senão não vale a pena.

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Rancor - Rita Onofre
Rancor – Rita Onofre