Projeto “52 Mulheres em 2025 – MEV, MulheresEmViagem.pt”. A história de uma mulher, por cada semana do ano. Durante o ano de 2025, o MulheresEmViagem.pt faz uma homenagem a Mulheres de todo o Mundo, de vários países, de várias áreas de formação, que se tornaram referências. Algumas já não estão entre nós, mas muitas outras ainda estão a transformar o nosso mundo, dia após dia, com o seu esforço e trabalho por um mundo mais igualitário! Por um mundo com mais referências femininas, sobretudo em áreas que nos estiveram vedadas durante séculos (milénios, por vezes…).
Quando pensamos em grandes viajantes e exploradores, os nomes que nos vêm à cabeça são quase sempre masculinos. Mas, nos anos 1990, uma jovem britânica de olhar firme e determinação feroz escreveu o seu nome na história das expedições mundiais. O seu feito? Atravessar o continente africano a pé, do extremo sul ao extremo norte, numa odisseia que durou anos e que a tornou a primeira mulher a dar a volta ao Mundo a caminhar. O nome dela: Ffyona Campbell.
Uma infância fora do comum
Ffyona nasceu em 1967, no Reino Unido, no seio de uma família de classe média. Cresceu num ambiente marcado pela disciplina rígida, mas também pela sensação de não se encaixar nos moldes esperados. Aos 16 anos, decidiu romper com tudo e lançou-se à estrada. Muitos viam essa decisão como um ato de rebeldia juvenil. Para Ffyona, era a única forma de respirar. Queria escapar a um lar onde sentia que não era ouvida e provar que tinha força para construir o seu próprio caminho.
A jovem que quis dar a volta ao Mundo
O que começou como uma fuga acabou por se transformar numa missão de vida: dar a volta ao Mundo a pé. Sem dinheiro suficiente, sem grandes patrocínios e sem apoio familiar, Ffyona lançou-se à estrada em 1983. Enquanto os amigos estavam na escola ou a pensar em carreiras universitárias, ela enfrentava estradas poeirentas, fronteiras hostis e a solidão de um desafio gigantesco.
O facto de ser jovem e mulher tornava-a alvo de críticas. Muitos jornalistas e até colegas viajantes desvalorizavam os seus feitos, atribuindo-os à ingenuidade ou a um desejo de fama. Outros acusavam-na de irresponsabilidade, por arriscar a vida em zonas perigosas. Poucos viam nela a coragem necessária para romper padrões e abrir caminho para futuras exploradoras.
O sonho africano
Depois de etapas na Europa e nos Estados Unidos, Ffyona preparou-se para aquela que seria a maior e mais dura aventura: atravessar o continente africano a pé. Entre 1991 e 1993, percorreu cerca de 16.000 quilómetros, da Cidade do Cabo, na África do Sul, até Tânger, em Marrocos.
Foi uma caminhada marcada por contrastes extremos: calor sufocante nos desertos, chuvas torrenciais nas selvas, encontros com animais selvagens, zonas em guerra, doenças tropicais e períodos em que a solidão quase a venceu. Mas também foi em África que conheceu hospitalidade genuína, partilhou refeições com famílias que nada tinham e recebeu ajuda inesperada de desconhecidos.
Para o Mundo, era uma proeza quase inimaginável. Para Ffyona, era também uma forma de provar aos pais, à imprensa e a si mesma que não era uma “aventureira inconsequente”, mas sim uma mulher capaz de desafiar limites.
Críticas, polémicas e vulnerabilidade
Apesar do feito extraordinário, a carreira de Ffyona não foi isenta de polémicas. Anos mais tarde, admitiu que, em etapas anteriores — nomeadamente na Austrália — não caminhara todo o percurso, tendo recorrido a transporte em algumas partes. Essa confissão caiu como uma bomba. A imprensa acusou-a de fraude, alguns patrocinadores afastaram-se e a sua credibilidade foi questionada.
A jovem que atravessara África passou a ser retratada como “a impostora que enganou o público”. As críticas foram duríssimas, vindas sobretudo de homens do meio das expedições, que pareciam não perdoar a mesma falha que em figuras masculinas teria sido relativizada.
O peso dessa exposição pública afetou profundamente Ffyona. Mas em vez de se esconder, escolheu a honestidade. Escreveu livros em que revelou erros, dúvidas e fragilidades. Ao assumir as falhas, transformou-se numa figura mais humana: longe da perfeição dos heróis clássicos, mas muito mais próxima das mulheres reais que, todos os dias, lutam contra os próprios limites.
A mulher e a viajante
Ao longo das suas caminhadas, Ffyona não procurava apenas fazer quilómetros. Procurava também a aceitação que nunca sentiu em casa. A falta de apoio familiar marcou-a profundamente e tornou a estrada o seu verdadeiro lar. Em África, encontrou uma espécie de família improvisada nas pessoas que a acolhiam. E talvez tenha sido isso que lhe deu forças para continuar.
Depois de completar a volta ao Mundo a pé, decidiu afastar-se das grandes expedições. Viveu algum tempo em Devon, no Reino Unido, dedicando-se à agricultura e à escrita. Publicou livros como On Foot Through Africa e The Whole Story, onde reconstrói a sua jornada, entre triunfos e polémicas.
Um legado feminino
O percurso de Ffyona Campbell é uma metáfora da resistência feminina num Mundo que tantas vezes desvaloriza as conquistas das mulheres. A sua travessia de África continua a ser lembrada como um marco histórico e como um ato de coragem que inspirou muitas viajantes a acreditar que esse sonho pode ser alcançado.
Hoje, quando falamos em mulheres que viajam sozinhas, que desafiam fronteiras e que transformam a estrada em espaço de liberdade, é impossível não reconhecer que Ffyona foi uma pioneira. Não era perfeita – nenhuma de nós é – mas foi genuína, vulnerável e determinada. E isso é, talvez, o maior legado que poderia deixar.

