Projeto “52 Mulheres em 2025 – MEV, MulheresEmViagem.pt”. A história de uma mulher, por cada semana do ano. Durante o ano de 2025, o MulheresEmViagem.pt faz uma homenagem a Mulheres de todo o Mundo, de vários países, de várias áreas de formação, que se tornaram referências. Algumas já não estão entre nós, mas muitas outras ainda estão a transformar o nosso mundo, dia após dia, com o seu esforço e trabalho por um mundo mais igualitário! Por um mundo com mais referências femininas, sobretudo em áreas que nos estiveram vedadas durante séculos (milénios, por vezes…).
Catarina Eufémia permanece, ainda hoje, como uma das figuras femininas mais marcantes da história contemporânea de Portugal. Trabalhadora rural, mulher pobre do Alentejo profundo e mãe de três filhos, tornou-se símbolo da resistência feminina, da luta pela dignidade laboral e da coragem perante a opressão.
A sua morte trágica, em 1954, transformou-a numa mártir do movimento operário e numa imagem intemporal da força das mulheres que ousam erguer a voz. Neste artigo, revisitamos a vida e a obra desta figura incontornável, explorando o seu impacto, o contexto histórico que moldou o seu destino e as razões pelas quais continua a inspirar gerações de mulheres viajantes, líderes, trabalhadoras e sonhadoras.
Quem foi Catarina Eufémia?
Catarina Efigénia Sabino Eufémia nasceu em Baleizão, no concelho de Beja, a 1 de Fevereiro de 1928. Filha de trabalhadores rurais, cresceu no seio de uma família humilde, profundamente marcada pelas dificuldades do campo num Portugal dominado pelo Estado Novo. Tal como grande parte das mulheres alentejanas do seu tempo, Catarina começou a trabalhar muito jovem nas ceifas e mondas, executando tarefas duríssimas, mal remuneradas e socialmente invisibilizadas.
A sua infância e juventude foram vividas num ambiente de pobreza estrutural, onde as desigualdades sociais eram evidentes e a repressão política era uma constante. No entanto, esse contexto não aniquilou o sentido de justiça que caracterizaria a sua vida adulta. Pelo contrário: foi precisamente nele que germinou o espírito combativo que, mais tarde, a transformaria num símbolo nacional.
Contexto histórico: o Portugal rural e a repressão do Estado Novo
Para compreender a importância de Catarina Eufémia, é fundamental perceber o cenário sociopolítico em que viveu. Durante a década de 1950, Portugal era um país rural, rigidamente controlado pela ditadura de Oliveira Salazar. No Alentejo, as condições de trabalho eram especialmente duras: longas jornadas ao sol, salários miseráveis, ausência de direitos laborais e repressão violenta por parte da GNR sempre que os trabalhadores tentavam reivindicar melhorias.
As mulheres do campo eram duplamente oprimidas: pela condição laboral e pela imposição social de submissão. Trabalharam sempre tanto quanto os homens, mas recebiam salários inferiores, acumulando ainda as responsabilidades domésticas e familiares. Apesar disso, foram muitas as mulheres que lideraram movimentos reivindicativos, embora a sua participação tenha sido muitas vezes silenciada pela história oficial.
É neste ambiente de desigualdade extrema que Catarina se destaca.
O dia que mudou a história: 19 de Maio de 1954
A 19 de Maio de 1954, Catarina Eufémia integrou um grupo de ceifeiras que se dirigiu ao feitor e à Guarda Nacional Republicana para exigir um aumento de salário. Não se tratava de um pedido extravagante, mas sim de uma reivindicação justa: o pagamento previsto pela legislação, frequentemente ignorado pelos proprietários agrícolas.
Ao tentar dialogar com o tenente Carrajola, Catarina terá dito que só queria “pão para os filhos”. O militar, irritado com a exigência e num ambiente carregado de tensão, respondeu com violência. Catarina foi alvejada com três tiros, em plena luz do dia, à frente das colegas e do bebé que carregava ao colo. Tinha apenas 26 anos.
A morte brutal da trabalhadora quase de imediato se transformou num escândalo político, apesar da censura. O Estado Novo tentou controlar a narrativa, mas os trabalhadores do Alentejo, jornalistas clandestinos e opositores do regime rapidamente fizeram eco da injustiça. Catarina tornava-se assim num símbolo maior da resistência.
A construção do mito: de trabalhadora rural a ícone da resistência
Após a sua morte, Catarina Eufémia passou a ser evocada como mártir do movimento operário. Poetas, cantores e escritores dedicaram-lhe palavras, o que contribuiu para a sua imortalização. Entre os mais conhecidos está Manuel da Fonseca e, mais tarde, Zeca Afonso, que a transformou numa figura simbólica da luta antifascista.
A imagem de Catarina – simples, forte, rural, carregando um filho – tornou-se metáfora de um país inteiro que ansiava por liberdade. Ao contrário de outras figuras históricas, Catarina não pertenceu a elites intelectuais nem a movimentos organizados. Era uma mulher comum, e foi precisamente isso que a transformou num ícone tão profundamente humano e universal.
Vida pessoal: a mulher para além do símbolo
Por detrás da figura icónica havia uma vida profundamente humana. Catarina casou muito jovem com António Joaquim Casanova e era mãe de três crianças. Trabalhava incansavelmente para sustentar a família, acordando antes do nascer do sol para começar as tarefas no campo.
As ceifeiras que a acompanhavam recordavam-na como uma mulher solidária, sempre pronta a ajudar as colegas, e com uma noção muito clara do que era justo. Não era militante política – pelo menos oficialmente –, mas tinha consciência dos seus direitos e da necessidade de lutar por eles. Este detalhe torna o seu gesto ainda mais expressivo: Catarina agiu movida por um impulso de justiça, não por uma agenda partidária.
Legado e memória de Catarina Eufémia
Depois do 25 de Abril de 1974, a figura de Catarina tornou-se parte central da memória colectiva portuguesa. Homenagens surgiram um pouco por todo o país:
- O seu nome foi dado a ruas, escolas e associações.
- Monumentos foram erguidos em sua honra, sobretudo em Baleizão.
- A sua história entrou nos manuais escolares e na cultura popular.
- É evocada frequentemente em contextos feministas, sindicais e culturais.
O seu mito sobrevive porque personifica vários valores fundamentais: coragem, dignidade, resistência e solidariedade. Catarina representa a mulher trabalhadora, a mãe que luta pelos filhos, a cidadã que não aceita a injustiça.
O seu legado continua vivo, a cada geração, o seu nome é redescoberto e reinterpretado, provando que o seu impacto ultrapassa o seu tempo e lugar.

