Projeto “52 Mulheres em 2025 – MEV, MulheresEmViagem.pt”. A história de uma mulher, por cada semana do ano. Durante o ano de 2025, o MulheresEmViagem.pt faz uma homenagem a Mulheres de todo o Mundo, de vários países, de várias áreas de formação, que se tornaram referências. Algumas já não estão entre nós, mas muitas outras ainda estão a transformar o nosso mundo, dia após dia, com o seu esforço e trabalho por um mundo mais igualitário! Por um mundo com mais referências femininas, sobretudo em áreas que nos estiveram vedadas durante séculos (milénios, por vezes…).
Zitkala-Ša, também conhecida pelo nome cristão Gertrude Simmons Bonnin (1876-1938), foi uma das mulheres mais marcantes na defesa dos direitos dos povos nativos americanos nos Estados Unidos. Escritora, música, professora e ativista política, ela tornou-se uma voz poderosa contra a opressão cultural e social sofrida pelos indígenas, especialmente as mulheres.
Nascida na Reserva Sioux Yankton, no Estado do Dakota do Sul, Zitkala-Ša cresceu entre duas realidades opostas: a tradição do seu povo nativo e a pressão do sistema de assimilação cultural imposto pelo governo americano. Essa dualidade marcou toda a sua vida e inspirou a sua obra, transformando-a numa referência incontornável da literatura indígena e do ativismo feminino.
A infância e o choque da assimilação cultural
Zitkala-Ša viveu os primeiros anos rodeada pela cultura sioux, ouvindo histórias orais transmitidas de geração em geração. No entanto, aos oito anos, foi enviada para uma escola missionária que tinha como objetivo “civilizar” as crianças indígenas, afastando-as das suas línguas e tradições.
Nessa escola, aprendeu inglês e música, mas também enfrentou discriminação e punições por falar a sua língua nativa. Essa experiência deixou marcas profundas, levando-a a denunciar a violência simbólica e emocional sofrida pelas crianças indígenas.
Mais tarde, nas suas obras, descreveu a dor da separação da família e da cultura, mostrando como a política de assimilação tentava apagar a identidade dos povos nativos. Esse testemunho é hoje considerado fundamental para compreender a história dos direitos indígenas nos Estados Unidos.
Zitkala-Ša como escritora: dar voz ao silenciamento
Uma das maiores contribuições de Zitkala-Ša foi na literatura. Escreveu ensaios, contos autobiográficos e recolheu histórias tradicionais dos sioux, que publicou em revistas nacionais no início do século XX.
Entre os seus trabalhos mais conhecidos estão:
- “American Indian Stories” (1921) – uma coletânea que mistura autobiografia com crítica social, revelando a tensão entre tradição indígena e cultura dominante.
- “Old Indian Legends” (1901) – um livro que reúne mitos e lendas nativas, preservando a sabedoria ancestral.
- Diversos artigos em revistas, onde denunciava a injustiça sofrida pelos povos nativos.
A sua escrita destaca-se pela sensibilidade poética e pela coragem em expor as contradições da sociedade americana, que falava em liberdade mas negava direitos básicos às comunidades indígenas.
A música como resistência cultural
Zitkala-Ša também foi uma exímia violinista e cantora. Estudou música no Conservatório de Boston e chegou a apresentar-se em grandes palcos. A sua paixão pela música europeia não a afastou das suas raízes; pelo contrário, procurou unir as duas tradições.
Um dos seus projetos mais inovadores foi a ópera “The Sun Dance Opera” (1913), considerada a primeira ópera escrita por uma mulher nativa americana. Baseada numa cerimónia tradicional sioux, a obra foi uma tentativa de manter viva a cultura indígena, ao mesmo tempo que a apresentava a um público ocidental. Este projeto simboliza bem a sua vida: um diálogo constante entre dois mundos, sem nunca abdicar da identidade indígena.
O ativismo político e a luta pelos direitos das mulheres indígenas
Além da literatura e da música, Zitkala-Ša destacou-se como líder política e ativista. Trabalhou em várias organizações dedicadas aos direitos dos nativos americanos, denunciando as más condições de vida nas reservas e a falta de cidadania para os indígenas.
Em 1926, cofundou a National Council of American Indians, uma organização que lutava pela integração dos nativos como cidadãos de pleno direito. Foi também uma defensora do sufrágio feminino, acreditando que as mulheres indígenas deveriam ter voz ativa tanto nas suas comunidades como na política nacional.
A sua luta antecipou debates que ainda hoje permanecem atuais: identidade cultural, igualdade de género e justiça social.
O legado de Zitkala-Ša para as mulheres
A história de Zitkala-Ša é especialmente inspiradora para as mulheres, porque mostra como é possível resistir às pressões sociais e afirmar a própria identidade. Num tempo em que as vozes femininas eram muitas vezes silenciadas, ela conseguiu destacar-se como escritora, artista e ativista.
O seu exemplo é um convite para refletirmos sobre a força feminina na defesa das tradições, da cultura e dos direitos humanos. Para muitas mulheres indígenas e não indígenas, Zitkala-Ša continua a ser um símbolo de coragem, autenticidade e determinação.
Algumas das suas palavras continuam atuais e poderosas. Uma das suas frases mais citadas é:
“Não existe grandeza onde não há simplicidade, bondade e verdade.”
Essas palavras refletem a sua visão do Mundo, enraizada na espiritualidade indígena e na busca pela justiça social.
Zitkala-Ša hoje: porque devemos lembrá-la
Num mundo em que muitas culturas continuam ameaçadas pela globalização e pela desigualdade, lembrar Zitkala-Ša é fundamental. Ela representa a voz feminina que ousou desafiar o sistema, defender os povos esquecidos e transformar dor em arte.
Além disso, a sua obra literária e musical é uma ponte entre culturas, mostrando que a diversidade é riqueza e não obstáculo.
Ela mostrou que é possível usar a palavra, a música e a ação política como ferramentas de transformação. O seu legado mantém-se vivo, lembrando-nos que a luta pela justiça e igualdade é feita, em grande parte, pela força de mulheres que se recusam a ser silenciadas.