Projeto “52 Mulheres em 2025 – MEV, MulheresEmViagem.pt”. A história de uma mulher, por cada semana do ano. Durante o ano de 2025, o MulheresEmViagem.pt faz uma homenagem a Mulheres de todo o Mundo, de vários países, de várias áreas de formação, que se tornaram referências. Algumas já não estão entre nós, mas muitas outras ainda estão a transformar o nosso Mundo, dia após dia, com o seu esforço e trabalho por um mundo mais igualitário! Por um mundo com mais referências femininas, sobretudo em áreas que nos estiveram vedadas durante séculos (milénios, por vezes…).
Nawal El Saadawi foi muito mais do que uma escritora. Médica, psiquiatra, feminista, ativista e uma das vozes mais corajosas do mundo árabe, tornou-se um ícone da luta pelos direitos das mulheres. A sua vida foi marcada por uma incansável resistência ao patriarcado, ao autoritarismo político e à opressão religiosa. Neste texto, conhecemos a vida e obra de Nawal El Saadawi, destacando o seu legado como figura central na literatura feminista e no ativismo social, ou seja, um conteúdo essencial para qualquer mulher interessada em histórias inspiradoras de empoderamento feminino.

Quem foi Nawal El Saadawi?
Nawal El Saadawi nasceu a 27 de outubro de 1931, na pequena aldeia de Kafr Tahla, no Egito. Cresceu numa sociedade profundamente conservadora, onde desde cedo sentiu na pele as limitações impostas às mulheres. Aos seis anos, foi submetida à mutilação genital feminina. Uma experiência traumática que viria a marcar profundamente a sua vida pessoal e profissional.
Apesar das dificuldades, Nawal demonstrou desde cedo uma vontade inabalável de estudar e mudar o mundo à sua volta. Formou-se em Medicina na Universidade do Cairo, em 1955, e especializou-se em Psiquiatria. Ao longo da sua carreira médica, trabalhou com mulheres em zonas rurais, o que lhe permitiu observar de perto as desigualdades, a violência doméstica e os efeitos do controlo religioso e estatal sobre os corpos femininos.
A literatura como forma de resistência
A escrita de Nawal El Saadawi é profundamente política. Os seus livros são uma denúncia direta do patriarcado, do colonialismo e da opressão religiosa. A sua obra mais conhecida, “A Mulher no Ponto Zero” (1975), é baseada na história real de uma mulher egípcia condenada à morte. O livro é um grito de revolta contra a violência de género e o sistema judicial que perpetua a injustiça contra as mulheres.
Outros títulos importantes incluem:
- “A Face Oculta de Eva” (1977): uma análise das raízes históricas e culturais da opressão feminina no mundo árabe.
- “Memórias de uma Mulher Médica” (1960): uma narrativa semi-autobiográfica sobre a experiência de uma jovem médica numa sociedade patriarcal.
- “Diário de uma Mulher Médica no Egito” e
- “Deuses Morrem de Cansaço”, entre outros, onde mistura ficção, ensaio e autobiografia com uma voz literária poderosa e sem concessões.
Feminismo no contexto árabe
O feminismo de Nawal El Saadawi é profundamente enraizado no contexto árabe e islâmico. Para ela, a libertação das mulheres árabes não poderia ser importada do Ocidente, mas sim construída a partir das realidades locais. Denunciou tanto o fundamentalismo religioso como o imperialismo cultural, sendo muitas vezes criticada — e até perseguida — por ambos os lados.
Nawal afirmava que a opressão feminina no mundo árabe estava profundamente ligada ao uso da religião como instrumento de controlo político e social. Mas também não poupava críticas ao Ocidente, sobretudo às suas abordagens colonialistas disfarçadas de libertação feminina.
Perseguições, prisão e exílio
A coragem de Nawal teve um preço elevado. Em 1981, foi presa pelo regime do presidente Anwar Sadat por “crimes contra o Estado”, devido aos seus escritos considerados subversivos. Passou três meses na prisão de mulheres de Qanater, onde continuou a escrever — utilizando papel higiénico e um lápis de maquilhagem. A sua experiência na prisão resultou no livro “Memórias da Prisão de Mulheres”, mais uma poderosa denúncia das condições de vida das mulheres detidas e do autoritarismo no Egito.
Após a sua libertação, Nawal passou vários períodos no exílio, sobretudo nos Estados Unidos, onde lecionou em universidades como Duke e Harvard. No entanto, regressou sempre ao Egito, onde continuou a escrever, protestar e intervir publicamente, mesmo quando a sua segurança pessoal estava em risco.
O legado de Nawal El Saadawi e o empoderamento feminino
Nawal El Saadawi faleceu a 21 de março de 2021, com 89 anos, deixando um legado que transcende fronteiras e gerações. A sua obra literária e ativista abriu caminho para o feminismo árabe moderno e continua a ser uma fonte de inspiração para mulheres em todo o Mundo.
O seu contributo vai além da literatura: fundou a Associação de Solidariedade com as Mulheres Árabes, defendeu o fim da mutilação genital feminina, o direito ao aborto, à educação e à liberdade sexual, e desafiou normas religiosas e sociais de forma pioneira e corajosa.
A sua vida é um exemplo concreto de que a escrita pode ser uma ferramenta poderosa de transformação social. Ao dar voz às mulheres silenciadas pelo sistema, Nawal ensinou-nos que a liberdade começa na palavra. E que cada mulher tem o direito — e o dever — de contar a sua própria história.
