Inês Marinho viu a sua vida íntima ser exposta sem consentimento. Escolheu não ficar calada e, em 2020, lançou o movimento #NãoPartilhes, voltado a apoiar vítimas de partilha não autorizada de conteúdo íntimo e consciencializar a sociedade. O MulheresEmViagem.pt falou com Inês Marinho para saber mais sobre o seu Movimento e o ativismo nesta área. Inês tem 27 anos e, além de ser presidente da Associação Não Partilhes – onde dá palestras, participa em debates e conferências – também é estudante de Ciência Política e Relações Internacionais. Lê a entrevista mais abaixo.
A iniciativa #NãoPartilhes ganhou visibilidade através de redes sociais, ultrapassando rapidamente milhares de seguidores. A partir daí formou-se uma comunidade solidária que oferece suporte legal e emocional, enquanto exige responsabilização dos envolvidos.
A iniciativa nasceu, em parte, de uma troca entre cerca de 20 mulheres em WhatsApp, unindo-se para identificar redes de partilha de conteúdo íntimo e consciencializar para a gravidade desse crime.
Além disso, Inês Marinho organizou manifestações públicas, como protestos junto à Assembleia da República, para exigir uma resposta judicial mais efetiva e políticas educativas em literacia digital e direitos sexuais.
Embora apoie e encoraje vítimas a denunciar, Inês também defende e faz uma abordagem que conversa com jovens e populações digitais, quebrando o silêncio e o estigma.
O #NãoPartilhes é um passo no empoderamento feminino e justiça digital em Portugal: um alerta de que imagens íntimas não são conteúdo de troca, e que a liberdade sexual não pode ser silenciada nem punida pela exposição.

MulheresEmViagem.pt (MEV) – Qual foi a situação que a levou a criar este Movimento?
Inês Marinho – Foi uma situação pessoal, onde partilharam conteúdo íntimo contra o meu consentimento. A partir daí juntei-me com outras sobreviventes destes crimes, tínhamos vontade de fazer algo em relação a isto. Surgiu a ideia de criar um movimento, e com o apoio inicial delas o movimento cresceu e agora é uma associação.
MEV – Como chegaram a ti as primeiras mulheres a quem tinha acontecido o mesmo?
Inês Marinho – Não conhecia ninguém próximo que tivesse passado por esta situação. Juntamo-nos pois estávamos todas a ser expostas na mesma aplicação, o Telegram, e alguma delas conseguiu identificar-nos e juntou-nos num grupo.
MEV – Uma vez que cada vez mais são expostos grupos de quem partilha imagens pessoais de mulheres, que defendes que seja feito em termos da lei?
Inês Marinho – Há muitas coisas a retificar na lei e em todo o processo de denúncia. É necessário criar mais mecanismo de apoio direto a vítimas e a profissionais que lidam com elas, como formações a magistrados, policiais e investigadores, para que estejam atualizados sobre as novas nuances destes crimes online e sensibilizados para lidar com a vulnerabilidade destas pessoas.
É importante que exista maior proteção à vítima antes, durante e depois do processo de queixa, ordens de restrição, contacto direto com sites e aplicações onde este conteúdo se possa dissipar, direito ao anonimato, apoio psicológico e jurídico gratuito…
Depois disto tudo já estar estabelecido, faria sentido colocar este crime como crime público, para que as denúncias sejam “abertas” para qualquer pessoa que veja este conteúdo. Acredito que a normalização deste tipo de violência é uma questão de saúde pública e de todos.
MEV – Este teu projeto também passa pela educação, junto dos mais jovens. Notas que ficam com ideias diferentes depois de lhes apresentarem outros casos/ outras vidas?
Inês Marinho – Não me considero o remédio para os males juvenis, mas tenho uma visão muito positiva e esperançosa, do meu contacto com jovens. São sempre muito curiosos, atentos e participativos e muitos já têm o ímpeto de lutar pelos seus direitos e reescrever normas estabelecidas.
Acho que também tento ter uma comunicação acessível e cativante, com temas que lhes são familiares e digo sempre que não estou ali só para ensinar, mas também para aprender. Abro sempre o espaço para correções, debates e partilhas pessoais.
MEV – E como ficou a tua situação?
Inês Marinho – Eu fiz várias denúncias mas foram todas arquivadas, recentemente fiz outra e está em seguimento… veremos.

O que o movimento defende?
O #NãoPartilhes é essencialmente uma plataforma de apoio e sensibilização, com os seguintes objetivos:
- Apoiar vítimas: oferecer espaço seguro para partilha de testemunhos, aconselhamento e encorajamento a denunciarem o crime às autoridades competentes.
- Consciencializar o público: desmistificar o estigma que recai sobre vítimas de partilhas íntimas e mostrar que o crime não é culpa delas.
- Promover justiça social: atuar como uma forma de justiça paralela quando o sistema judicial falha, denunciando casos de forma direta nas redes.
- Advogar por mudanças legais e educativas: propor formação para agentes da lei, literacia digital nas escolas e políticas públicas de apoio às vítimas.
Links que ajudam quem quer denunciar estes crimes.