Projeto “52 Mulheres em 2025 – MEV, MulheresEmViagem.pt”. A história de uma mulher, por cada semana do ano. Durante o ano de 2025, o MulheresEmViagem.pt faz uma homenagem a Mulheres de todo o Mundo, de vários países, de várias áreas de formação, que se tornaram referências. Algumas já não estão entre nós, mas muitas outras ainda estão a transformar o nosso mundo, dia após dia, com o seu esforço e trabalho por um mundo mais igualitário! Por um mundo com mais referências femininas, sobretudo em áreas que nos estiveram vedadas durante séculos (milénios, por vezes…).
Harriet Martineau (1802-1876) é muitas vezes lembrada como a primeira mulher socióloga e uma das grandes pioneiras na análise social do século XIX. Nascida em Norwich, Inglaterra, numa família de classe média ligada ao comércio têxtil, enfrentou desde cedo desafios que moldariam a sua visão crítica do mundo. Ainda em criança, começou a perder a audição, ficando praticamente surda aos 12 anos, e viveu também com fragilidades de saúde que a acompanharam ao longo da vida.
Apesar desses obstáculos, Harriet não se deixou limitar. Desenvolveu uma carreira notável como escritora, jornalista, tradutora e pensadora social, conquistando um espaço único num mundo dominado por homens. Foi uma defensora incansável da educação das mulheres, da abolição da escravatura, dos direitos civis e da justiça social, temas que a tornaram uma das vozes femininas mais relevantes do seu tempo.
O papel de Harriet Martineau na Sociologia
Enquanto nomes como Auguste Comte e Émile Durkheim são frequentemente citados como fundadores da Sociologia, Harriet Martineau tem vindo a ser cada vez mais reconhecida como uma figura essencial para a consolidação desta ciência social.
Em 1838, publicou a obra “How to Observe Morals and Manners” (Como Observar os Costumes e a Moral), considerada por muitos como o primeiro manual de metodologia sociológica. Neste livro, Martineau defendeu que, para compreender uma sociedade, era necessário observar não apenas as leis ou a política, mas também os costumes, as práticas quotidianas, o papel das mulheres e a vida das classes mais baixas.
Ao contrário de muitos pensadores da sua época, Harriet deu atenção às vozes marginalizadas, acreditando que a condição das mulheres era um dos indicadores fundamentais do progresso de uma sociedade. Esta perspetiva feminista foi inovadora e continua atual.
Harriet Martineau e a luta pela igualdade de género
A experiência pessoal de Harriet como mulher num século profundamente patriarcal levou-a a escrever sobre a necessidade de educação, independência económica e participação política para as mulheres.
No livro “Society in America” (1837), resultado de uma longa viagem pelos Estados Unidos, Martineau fez uma análise crítica do país que se apresentava como terra da liberdade. Observou a contradição entre os ideais democráticos e a realidade da escravatura, bem como a exclusão das mulheres da vida pública.
Com uma visão clara e progressista, Harriet denunciava que não poderia haver verdadeira democracia sem igualdade de género. Para ela, o estatuto das mulheres era central na avaliação da justiça e do desenvolvimento social.
Uma escritora incansável e uma comunicadora nata
Harriet Martineau foi também uma escritora extremamente prolífica. Publicou romances, ensaios, crónicas de viagem e artigos em jornais, explorando temas como economia, política, religião e direitos humanos.
O seu estilo era claro e acessível, o que lhe permitiu alcançar não apenas intelectuais, mas também o público em geral. Harriet acreditava que o conhecimento não devia ficar restrito às elites, e por isso escrevia de forma a tornar as ideias complexas compreensíveis para todos.
A sua colaboração com jornais e revistas deu-lhe notoriedade, e Martineau tornou-se uma das primeiras mulheres a viver da escrita profissional. Este feito, numa época em que poucas mulheres tinham independência financeira, reforçou a sua imagem como exemplo de emancipação.
Viagens e experiências internacionais
As viagens tiveram um papel central na vida e no trabalho de Harriet Martineau. Durante a estadia nos Estados Unidos, além de observar a sociedade americana, conviveu com figuras importantes do movimento abolicionista.
Mais tarde, viajou pelo Médio Oriente, nomeadamente pelo Egito e pela Síria, experiências que inspiraram reflexões sobre religião, colonialismo e encontros culturais. Estes relatos foram publicados e despertaram grande interesse entre os leitores europeus.
O impacto de Harriet Martineau no feminismo
A influência de Harriet Martineau no feminismo é incontornável. A sua obra demonstrou que as mulheres eram capazes de produzir pensamento crítico e científico ao mais alto nível, desafiando a ideia de inferioridade intelectual feminina.
Além disso, Harriet foi uma das primeiras a defender que as lutas sociais – abolicionista, feminista e democrática – estavam interligadas. Para ela, a emancipação das mulheres era inseparável da luta contra todas as formas de opressão.
Mesmo não se definindo como “feminista” nos termos atuais, Harriet Martineau abriu caminho para muitas das ideias que viriam a marcar o movimento feminista do século XX.
Legado e reconhecimento tardio
Durante a sua vida, Harriet foi uma figura conhecida e respeitada, mas após a sua morte em 1876, o seu nome foi gradualmente esquecido, muitas vezes ofuscado pelos seus contemporâneos masculinos.
Felizmente, nas últimas décadas, tem havido um esforço de recuperação da sua memória. Hoje, Harriet Martineau é reconhecida como uma precursora da Sociologia, uma pioneira do pensamento feminista e uma das escritoras mais influentes do século XIX.
As suas reflexões sobre a condição feminina, a justiça social e a importância de incluir todas as vozes no estudo da sociedade continuam a inspirar académicas, investigadoras e ativistas.
A história de Harriet Martineau é um exemplo poderoso de resiliência, inteligência e coragem. Apesar das limitações físicas, das barreiras sociais e da discriminação de género, construiu uma carreira brilhante e deixou uma marca profunda na história das ideias.
Recordar Harriet é essencial para reforçar a importância das vozes femininas na construção do conhecimento e na luta pela igualdade. Mais do que uma figura histórica, ela é um símbolo de que as mulheres sempre estiveram presentes, mesmo quando os registos oficiais tentaram silenciá-las.