“Eu não sou feminista”. “Calma, não quer dizer que esteja toda feminista”. “Estás toda feminista. Quem é que te partiu o coração?” Não consigo contabilizar as vezes que ouvi isto, principalmente vindo de mulheres. A última, de homens. Homens novos, teoricamente mais informados. Contudo, o que mais me dói é ouvir isto de tantas mulheres que admiro e que, na sua essência, são feministas, mas não o sabem. Quando é que feminista se tornou uma palavra feia? Quando é que passou a ser sinónimo de odiar os homens?
“Ah, mas eu não concordo com as feministas extremistas”. O que são as feministas extremistas?
FEMINISMO = IGUALDADE
Se for esta a premissa de tudo o que se segue, há igualdade extremista? “Ah, que exagero de igualdade, já chega”!
Por que razão se focam nas miudezas com as quais não concordam, em vez da pedra basilar: IGUALDADE.
Depois, seguem-se os argumentos para o feminismo não existir: “as mulheres, hoje em dia, podem fazer tudo o que os homens fazem”; “no nosso país já não faz sentido”; “no mundo ocidental já não faz sentido”; ou, “eu nunca senti na pele”.
OK… Então, vamos por partes: as mulheres continuam a receber menos que os homens, tendo a mesma qualificação e experiência para o mesmo cargo.
Em Portugal, com dados de 2020, a diferença salarial entre homens e mulheres em Portugal corresponde a 52 dias de trabalho pago.
Em média, nos países da OCDE – utilizando dólares como moeda – para cada dólar que um homem faz, uma mulher ganha 54 cêntimos.
Segundo o World Economic Forum, vamos precisar de 202 anos para que isto seja corrigido.
Laura Tyson, Professora em Berkley e economista debruça-se sobre as inúmeras razões da desigualdade salarial. Se queres saber mais sobre esse assunto lê aqui
Além da discrepância remuneratória, há muitas profissões que continuam a ser muito pouco recetivas a mulheres. Em Portugal, foi só em 2020 que uma mulher foi a comentadora principal de um jogo da Primeira Liga, na Sport TV.
Eu, quando deixei o meu cargo de Diretora de Comunicação do Boavista, era a única mulher a fazê-lo na I Liga. Nunca tinha casas de banho nas zonas técnicas, foram algumas as vezes que aconselharam a minha pequena bexiga a sair do campo – enquanto o jogo decorria – e dirigir-me aos wc das bancadas.
Por essa altura, nos jornais desportivos, o jornal o Jogo era o único a ter três mulheres jornalistas, o Jornal de Notícias uma ou duas – falo pela zona Norte, com a qual eu trabalhava. Não haverá mulheres que gostem de futebol? Uffhmp, tantas!! Ou qualificadas? Uhmpf tantas! Por isso, será ingenuidade ou puro encobrimento não admitir que existem áreas com ambientes inóspitos para acolher mulheres? Ou, no mínimo, existe indubitavelmente uma certa resistência.
No nosso país, os homicídios são quase todos crimes passionais, muitos deles dentro de violência doméstica.
As cuidadoras da casa, continuam a ser as mulheres. “Ah mas há maridos que cozinham e ajudam na casa”. O termo “ajudar” já revela a desigualdade. O marido não é um benfeitor por fazer a cama. Ele faz parte de uma equipa. O mesmo na educação dos filhos.
Há um machismo enraizado tão profundamente que, todos os dias, nos deparamos com isso e nem nos apercebemos. Mulheres incluídas. A tal de misoginia internalizada. Esse bicho que nos faz dizer “ganda porca”, “já varreu meia cidade e quer que alguém a leve a sério”. Quem nunca fez isto que atire a primeira pedra. Mas, está tudo bem. Termos isso dentro de nós faz parte de como fomos educad@s. Está nas nossas mãos reaprender e evoluir, sem medos de nos assumirmos como feministas. Deixarmos de nos assustar por nos associarem como feminazis, um termo que se usa mais do que “com licença” ou “tenha um bom dia”. E serve para tudo.
Ora bem, segundo o Dicionário de Oxford para calão politico, feminazi é: um trocadilho de bom gosto de feminista e nazi – pejorativo, claramente – significando uma mulher obstinada e dedicada ao Feminismo. Até aí, não me parece palavrão nenhum. Mas o Dicionário de Oxford foi indulgente, pois essa palavra é utilizada para descrever as que mulheres que acreditam que são superiores aos homens.
Nós só queríamos receber um salário justo e sermos tratadas como iguais, não queremos eliminar ninguém do planeta com as nossas feminazis Infinity Stones (referência que provavelmente só os fãs da Marvel vão perceber!).
Ainda sobre aquela questão de “não existirem homens no planeta”, recordo-me de uma sondagem que a página Feminist fez no instagram sobre o que as suas seguidoras fariam “se não existissem homens no planeta, durante um dia” e as respostas surpreenderam-me pela simplicidade e entristeceram-me pela mesma razão.
A resposta mais comum foi: dar uma caminhada à noite. Wow! Só isso. As mulheres aproveitariam para caminhar à noite sem medos, sem olhar constantemente de lado para ver se alguém as perseguia ou se alguém lhes mostrava o seu “material” de forma não solicitada. Outras, respondiam que gostavam de estar na praia com as amigas, outras acampar em plena natureza com a mãe, ou vestirem o que lhes apetecesse.
Parecem-vos pedidos de alguém que quer eliminar o sexo masculino do mundo? Não! Só gostávamos de não viver em medo constante, gostávamos de sentir que a justiça funciona quando alguém nos faz mal em vez de sermos nós as escrutinadas com perguntas como “estava vestida como? Estava bêbeda? Estava em flirts? A caminha sozinha à noite, estava mesmo a pedi-las”…
Em suma, o Feminismo será sempre bom para todos, inclusive para os homens. Porquê? Porque nos iremos libertar destas classificações binárias que fazem com que os suicídios masculinos sejam tão elevados; porque “os homens não choram”; os homens é que “têm que sustentar a família”; os homens “não ficam deprimidos” nem têm/devem de “falar sobre os seus sentimentos”.
Aqui, não se trata de fingirmos que somos todos iguais… não somos! Apenas, queremos ter a igualdade de direitos.