Viagens, livros e feminismo com Mami Pereira

Mami Pereira

Nas “Conversas do Confinamento”* ao falar com a Mami Pereira**, falamos de tudo um pouco do universo feminino e do “nosso universo” das viagens. Passamos pelos livros que escreveu e está a escrever e fomos dar ao feminismo: és liberal ou feminista radical. Radical, diz-me. Conhece-a melhor nesta entrevista.

*O que são as “Conversas do Confinamento”? Perante um novo confinamento geral, em Portugal, iniciado a 15 de janeiro de 2021, decidi começar uma série de entrevistas, de forma a dar a conhecer o trabalho de muitas mulheres, em várias áreas, mas sobretudo no trabalho em prol do outro, na saúde, sexualidade, no desenvolvimento pessoal, no auto-conhecimento e nas viagens, claro!

Entrevistas que trouxessem conhecimento e inspiração durante todo o confinamento.

Essas entrevistas foram o primeiro passo para criar o site Mulheres em Viagem, que é um site irmão do Viaje Comigo.

Mulheres em Viagem… porque a vida é uma viagem!

E quem sou eu? Sou a Susana Ribeiro, jornalista, comunicadora, viajante e fundadora do site de viagens Viaje Comigo e do Mulheres em Viagem. E a entrevistadora das “Conversas do Confinamento”.

Sejam bem-vind@s ao Mulheres em Viagem.pt – uma Comunidade de e para Mulheres Extraordinárias… como Tu!

**Quem é Mami Pereira?
Mami Pereira (1983- quem sabe?)
Lisboeta do planeta. Viajante constante. Aventureira de lareira. Epicurista optimista. Cronista crónica. Arqueolojista bairrista. Escritora ex-editora. Feminista activista. Esteta pouco atleta. Poeta sempre incorrecta. Acolchoada a feijoada e temperada a mariscada. Amante de fotografia, nostalgia e ironia.
E queijo, obviamente!
Escreveu um livro sobre as suas viagens- Mami Geographic
E está a escrever um segundo, divagações existenciais com música clássica ao barulho – sabe mais aqui.

Mami Pereira
Mami Pereira

ENTREVISTA A MAMI PEREIRA

SR – Olá, muito boa tarde! Sejam bem-vindos a mais uma das Conversas do Confinamento. Hoje tenho aqui comigo a Mami (Pereira) Geographic :D
Olá, muito obrigada, por teres aceite este desafio para a entrevista

MP – Obrigada, eu! É um prazer falar com alguém em 20 dias de confinamento. Se calhar já quase um mês, na verdade.

SR – Estás a fazer uma clausura forçada e não falas com ninguém…
MP – É para escrever, sabes, quanto menos a pessoa falar com seres humanos, mais tem para escrever e como o meu objetivo é acabar o livro.

SR – Vamos já falar disso e do teu crowdfunding. E limpa a garganta. Lembro-me sempre daquele filme “Comer Orar Amar”. Em que ela está a fazer não sei quantos dias de silencias e diz não imaginas como a minha garganta ficou ótima.

MP – Se bem que eu tenho sempre esta voz um bocado forte de quem vem da tasca. Mas não. É mesmo a minha voz.
SR – Eu descobri que somos colegas de profissão. Somos jornalistas, ambas. Por onde é que tu passaste?

MP – Olha, eu tirei Comunicação Cultural. Eu fui para Jornalismo, num rasgo de idealismo, que acabou logo na primeira aula, quando eles explicaram que não, ninguém aqui vem dizer a verdade. Isto é tudo controlado pelos mesmos cinco. E eu pensei, ah, então espera não é isto que eu quero.
SR – Espera lá. Eles disseram-te isso tudo logo na primeira aula? Que sortuda. Eu só percebi isso muito depois!

MP – Isto são meia dúzia de gajos que tomam conta disto tudo. Que ao mesmo tempo também em outro tipo de negócios. Enfim, são as corporações, não é, são os senhores feudais do nosso século e, portanto, vais trabalhar para eles quer queiras, quer não. Então, cheguei a duas conclusões na universidade. Primeiro que não queria ser jornalista e depois porque queria ser freelancer. Não queria trabalhar para ninguém em especial, queria ir trabalhando e me adaptando. Porque no outro dia percebi, uma daquelas coisas do confinamento, que o meu grande objetivo, nesta existência, enquanto Mami, é fazer tudo para não ter de acordar de manhã. Qualquer coisa que me permita não ter de acordar de manhã, já está no meu caminho certo. E ser freelancer dá-me essa oportunidade. Eu ainda estava na universidade quando comecei a escrever para uma agenda cultural, a LCool, que foi antes da Time Out em Portugal. A pessoa recebia aquilo no e-mail e falava sobre eventos mais alternativos. E eu comecei a escrever para eles e fui convidada para ser editora, e fui editora durante uns anos. E depois a partir daí comecei a escrever para guias da cidade (de Lisboa), sempre escrevi para os guias da Convida. Comecei a ser freelancer para mais sítios. Portanto, não escrevei para quase tudo, porque o meu tipo de escrita é muito específico, mas fiz muita coisa para sites. Escrevi por exemplo, fiz um projeto giríssimo para a Sagres sobre Lisboa. Tudo coisas muito relativas ao turismo (dificuldade no som)

SR – Estou a ter alguns cortes… espera aí. Quando aviso geralmente fica bem.
MP – Há uma coisa engraçada, quando escrevo para os outros, é nessas alturas que eu percebo o que é que eu quero escrever para mim própria. E foi nessa altura que eu criei a Arqueologista, um projeto meu sobre as lojas antigas de Lisboa. Na altura, ainda havia algumas, isto agora… o que não fechou, entretanto, vai fechar de certeza. Vamos ficar reduzidos à sardinha maravilhosa e ao pastel de bacalhau com queijo da Serra. E fiz a Arqueologista e foi um sucesso. Depois, entretanto, comecei a viajar. As viagens tomaram conta dos meus dias e dos meus anos, passou a ser um objetivo da minha vida. E o ano passado lancei um livro de viagens e pronto.
SR – E eu tentei comprar e não consegui. No Natal, pedi ao Pai Natal, e pedi à minha irmã para perguntar se tinha um livro.
MP – Tive muitas dessas do Pai Natal. Os livros do Mami Geographic vão ter uma segunda edição no final de março, quando fizer a primeira edição do meu novo livro. Por isso, nessa altura, eu aviso.

SR – Boa! Vou já pedir para prenda de anos.
MP – Ah é verdade, és aquariana!
SR – Antes de falarmos das viagens, fala já desse teu novo projeto que estás a escrever um livro, sobre quê, e estás a fazer um crowdfunding. E explica-nos lá como é que as pessoas podem já ter o livro garantido, ajudando-te a fazeres a tua edição.

MP – Exatamente. Para o outro livro fiz a mesma coisa. Eu cheguei à conclusão, falando com amigos que já tinham tido experiências com editoras, e experiências com edições de autor, que mais uma vez, – eu também tenho assim muito Aquário no mapa, gosto de fazer a coisa de outra maneira, se for possível – e cheguei à conclusão que a mim compensava muito mais ter uma edição de autor. Primeiro, porque era eu que escolhia tudo, da capa ao formato. Tudo e mais alguma coisa. E depois eu queria ter um livro quadrado, geralmente os livros, por uma razão específicos, são mais baratos se forem rectângulos. E acabei por fazer uma edição de autor, a qual ao princípio fiz um crowdfunding, as pessoas podem encomendar o livro. O livro passado seis meses está cá fora, portanto entretanto eu consigo fazer tudo com o dinheiro que as pessoas – ou seja, não é daqueles crowdfundings em que as pessoas pagam além do livro – é como-o de fosse uma pré-venda. As pessoas compram e depois chega a altura e eu envio para casa, nos correios. Eles adoram-me nos correios… chego lá com 100 livros, sem pacotes…

SR – E com direito a… autografado e com dedicatória.
MP – Autografado e com uma dedicatória grande. É tudo muito pessoal. E se quiserem deixo-vos o link, pelo instagram Mami Geigraphic…
SR – Eu já pus aqui no Facebook, exatamente o link para o Crowdfunding.
MP – As pessoas vão lá. É super fácil. Têm um formuláriozinho, em que põem o nome, a morada e tal, se querem ou não dedicatória e para quem e pronto, supostamente vai sair no final de março, é para estar acabado no final de março.

SR – Vai ser um filho do confinamento.
MP – Vai ser um filho de 2020/2021. Vai ser um bebé Covid. É engraçado porque vai ser exatamente nove meses, a sua preparação. Eu estou sempre: eu não quero ter filhos, mas quero ter muitos livros. E estou sempre a comparar isto com gravidezes. Porque tem muitos paralelismos. Só que estava a contar isto a uma amiga e ela disse, sim, mas há uma grande diferença é que tu pões o livro cá fora e ele começa-te a dar dinheiro e com o filho é o contrario. Não dá beijinhos mas dá dinheiro para a pessoas ir passar férias.

SR – Sabedoria maternal.
MP – Este livro é completamente diferente. Eu nasci, cresci na Companhia Nacional de Bailado, porque a minha mãe fazia a produção, por isso a minha infância foi muito mágica e foi passada no São Carlos e no São Luís e com a música clássica…

SR – E aprendeste ballet?
MP – Comecei a aprender ballet, mas eu sou aquela pessoa que detesta autoridade, sou como o Beethoven, qualquer tacho, qualquer cheirinho a autoridade, levantasse-me aqui o radical e não dá. E então eu era daquelas que era expulsa da aula de ballet, por isto ou por aquilo, porque aquilo é tropa basicamente. É muito parecido ir às tropa e ires a uma aula de ballet. Aliás, o ballet é bem mais difícil. E então eu percebi logo que não dava. Para além de que não queria passar o resto da minha vida a comer maçãs e a fumar cigarros, como regime alimentar para ser magra. E o meu corpo não é propriamente dado ao ballet clássico.

Depois, descobri o ballet contemporâneo e, aí sim, já há mais espaço para manobra, já há mais espaço para outros tipos de corpos, outras curvas, mas enquanto era pequenina era muito bali. E como cresci nesse ambiente, a música clássica sempre ficou cá dentro como uma grande paixão. Curiosamente, por causa do confinamento eu descobrir o Spotify. Como estava a fazer a nossa primeira quarentena, em Sesimbra, e não podia sair de casa, decidi pagar o Spotify para cortar os anúncios e descobri que o Spotify tem das maiores bibliotecas de musica clássica que existe. É incrível. É um luxo. É mesmo espetacular. Não só tens a música clássica toda como tens várias gravações e etc. Isso e com o facto de eu ter muito tempo para ler, e adorar ler, comecei a ler os livros do maestro António Victorino de Almeida que é giríssimo a escrever. Aliás, a personagem é ótima e a escrever é incrível.

E comecei a achar graça e já percebi que, como tenho muito de humor, e como escrevo com sentido de humor, a maneira de me agarrarem, como leitora, é se tiverem sentido de humor também. Se forem engraçados. E veres a música clássica, que supostamente é uma coisa com barbas e com mofo e chata e elitista, de repente tratada de uma maneira completamente tu cá tu lá é apaixonante. Então, sempre que ele falava, ele começa o seu livro a “História da Arte” na Idade Média, não é, e sempre que ele falava de um compositor eu ia ao Spotify e ouvia. E tu tens lá tudo. E comecei a fazer a playlist da História da Música Clássica. E às tantas o que acontece, eu já percebi que se leres muitos livros… eu sou assim, como sou dada à escrita, se eu ler muito sobre um tema específico, depois também quero escrever sobre esse tema. E meti-me nisto que foi uma loucura. Eu fosse da área, da música clássica, eu jamais teria a audácia e a ousadia de estar a tratar esta malta toda como se tivesse andado comigo no liceu.

O NOVO LIVRO

SR – E tens assim algum compositor preferido, favorito…?
MP – Então, este livro vem responder à pergunta. Porque as pessoas dizem assim: ah, música clássica, que engraçado, qual é a tua música clássica preferida. E isto é a mesma coisa que te perguntarem… Imagina: o meu mestrado é em História de Arte, adoro, eu gosto mais da História de Arte do que a arte em si, porque adoro o encadeamento das coisas. O meu sonho, depois de ser bailarina, era ser professora de História de Arte, porque além de tratares a criatividade humana, que é o que mais me interessa, e os grandes saltos evolutivos que se deram, que não foram as guerras que foram ganhas, mas foram estes triunfos da mente humana, e do espírito humano. Conseguires relacionar as artes todas, porque as coisas estavam todas a acontecer a par e passo.

No movimento Romântico tens os pintores a fazer uma coisa, como tens os músicos, como tens… várias artes. E, então, tudo que entre deste universo da História da Arte, para mim, é completamente apaixonante. E quando as pessoas diziam: qual é a tua música clássica preferida? E eu pensava, isto começa no século XII/XIII e acaba ontem, portanto como é que eu vou responder qual é a minha música preferida. É que é muita! Então, este livro, como é que eu decidi montar: isto são as minhas cinquenta músicas clássicas preferidas. Tentei escolher uma de cada compositor… muito difícil, digo-te já, porque quanto mais tu exploras, mas tu descobres que adoras, não é?

Escolhi as minhas 50 músicas clássicas, cada crónica – e isto tem o formato de Crónica, porque é o meu tipo de formato, não sou uma romancista, tive imensa gente a dizer “ah, o teu próximo livro devia ser um romance. Sou românica mas não sou romancista e também acho que as pessoas hoje em dia se habituaram. As pessoas preferem ler pouco, mas ficar logo com a ideia do que às vezes estar a meter-se num livro grande e maçudo, que já sabem que vão desistir que não vão ter tempo. Assim, como o meu livro das viagens, é também em formato Crónica, qualquer coisa que a pessoa pega, em vez de estar na casa de banho a ler o rótulo do champô pela milésima vez, ou estar a comer os cereais e olhar para a caixa, como se fazia antigamente, está a ler uma cronicazinha.

Mas, o grande desafio foi, como é que eu falo de música clássica ou de compositores, para pessoas que não gostam especialmente ou que não sabe, ou que têm esta coisa… há muito este dizer eu não percebo nada de música clássica, como se fosse física quântica. Como se a pessoas para usufruir… o bom da arte é isso, não é, é que não é uma ciência. É que tu podes usufruir sem perceberes nada do assunto. Quanto menos perceberes do assunto, provavelmente mais podes usufruir. Claro que um músico ou um especialista vai encontrar ali coisas muito mais excitantes a nível intelectual, como este tipo sabe mesmo fazer isto. Mas, nós leigos podemos perfeitamente usufruir de toda a música, a música não tem de ter tradução. É essa a beleza.

SR – Eles vão sempre olhar, com um olhar muito técnico.
MP – Eles são os verdadeiros apreciadores do vinho. Eles são os enólogos. Eles dizem assim, de facto este tipo sabia o que estava aqui a fazer, de facto o que este tipo fez foi do futuro. Nós, somos os bêbedos, nós só queremos a cerveja, só queremos o vinho, só queremos a bebedeira.
SR – Qual é o vinho que mais gostas? É aquele que me sabe bem… isto foi dito por um enólogo.

MP – Exatamente, aquele que me cai bem, sobretudo. E eu acho que a música, pelo menos comigo, tem essa capacidade de me embebedar. A música influencia o estado de espírito completo. Tu estás triste e ouves uma música triste e ficas pior, ouves uma música animada, entusiasmada… eu, para mim, é a minha grande medicina. Além de que decidi comprar aqueles grandes auscultadores, há anos 80, e mudou a minha vida. A pessoa vai para o além. Imagina o que estar a fazer um livro, com as minhas 50 músicas preferidas, que mexem comigo, que me arrepiam… Um dos títulos do livro, que eu pensei, foi o Passo a Palavra à Pele. Porque é literalmente a minha pele a falar comigo. Eu estou a escrever e estou arrepiada. Eu escrevo cada crónica é relacionada com um tema, porque é a maneira de eu fazer a ponte, com o leitor, seja qual for, e vais ter uma crónica sobre a morte, sobre amor não correspondido, eu falo sobre tudo. São 50 temas e eu tenho de estar a inventar temas para cruzar com a música, que por sua vez cruza com o compositor. Faltam-me 10 crónicas. Deixei as mais difíceis para o fim.

SR – Que imersão! Eu por acaso, às vezes, estou a escrever e ponho ali no canal Mezzo. Porque sei que são orquestras que estão a tocar não me distraio, se estivesse outro canal qualquer com vídeos, a gente distrai-se e olha, para ver o vídeo. Mas gosto imenso por acaso. Confesso que sou uma leiga, não sei as histórias. E quando estive na Polónia, soube da história do Chopin. Estás a ver, penso assim… é o Chopin? Sim, é o Chopin que era de Varsóvia! Fomos lá a um café, onde estava um pianista e tu podias estar lá a tomar um chocolate quente e tinhas um pianista, ao vivo, a tocar para ti, Chopin. E depois a cidade tem uns bancos, onde tu carregas – não sei se já foste a Varsóvia
MP – Não.

SR – Tem uns bancos, na rua, onde tu carregas num botão e podes te sentar lá e estás a ouvir Chopin. É muito giro, mesmo. Está bem feira a ligação do músico com a cidade e a História.

MP – Foi isso que eu percebi. Imagina… cada compositor tem a sua história e cada compositor é filho do seu tempo, obviamente. Há uns que estavam já com um olhinho à frente. Mas, por exemplo, o caso do Chopin, do Korshak, do Sibelius, percebi que há todo um período, no fim do Romantismo, que são os nacionalismos. Porque a malta andava toda a tocar música à maneira alemã, se fosse música sinfónica, e se fosse ópera, à maneira italiana. Então, o que é que eles fizeram…

Imagina uma Rússia, que é praticamente um continente. Porque é que nós havemos de estar a tocar igual a estes tipos se nós temos tantas lendas, tanto folclore, tantas coisas épicas. E é nessa altura que tu tens esses compositores que basicamente vão pegar na História do país e vão fazer uma música do país. E tens isso na América. Quando comecei a fazer esta história dos compositores, acabo por estar a estudar História, que é o que me apaixona, e começas a fazer ligações com absolutamente tudo. Com a diferença que esses países – sobre tudo os países europeus como Áustria, etc. – agarram-se a isso culturalmente. Isso faz parte do turismo deles. Onde nasceu Mozart, onde nasceu Beethoven… nós não somos tanto assim, cá em Portugal. Continuamos agarrados aos tipos das caravelas. Nós próprios tivemos compositores ótimos, portugueses… mas ninguém sabe, ou ninguém fala sobre isso, a não ser que seja especialista. E isso também é uma das mais valias do que eu estou a fazer. E é muito engraçado.

Por exemplo, o compositor português que eu escolhi, que é o Luís de Freitas Branco; a obra que eu escolhi dele – e isto também é muito engraçado, porque a maior parte das minhas audições, eu faço às cegas. Eu ponho a música a tocar, não sei o que está a dar. E se gostar ponho logo o coraçãozinho. E isso também faz descobrir muitas coisa. Ou seja, não seres parcial. Consegues dizer afinal até gosto muito deste compositor e nem sequer fazia ideia. E esse nosso compositor fez uma das minhas músicas preferidas dele, que é “Paraísos Artificiais”. Que eu na altura nem percebi que era por causa dos Paraísos Artificiais do livro de Baudelaire. Já ia falar sobre isso porque aquilo parece uma trip mágica, maravilhosa, fez com que eu acabasse a falar de drogas. Então, a crónica do meu único compositor português, fala sobre drogas e vai buscar – e depois ai eu vou levar os Paraísos Artificiais do Baudelaire. Portanto, este livro mexe muito não só com os compositores, mas também mexe muito com as minhas leituras.

SR – É que se nota que tu… nem toda a gente poderia escrever um livro assim… a tua paixão pela História da Arte, a tua paixão pela literatura, faz com que tu consigas fazer isso com este à vontade todo com que tu falas, esta paixão toda com que tu falas, do livro que está aí a nascer.
Vou só fazer aqui a nota: se quiserem apoiar e não é só apoiar. É fazer uma pré-compra do livro da Mami, podem fazê-lo pelo link do site. Que fazer já a pré-compra e quando estiver pronto vai ter a vossa casa com dedicatória e tudo.
– Mami, uma pergunta que devia ter sido a primeira… qual é o teu nome?

MP – (risos) O meu nome é Maria Miguel. Ninguém me chama isso desde a maternidade. Eu gosto muito do nome, atenção, mas não é um nome para uma criança. Eu costumo dizer que os meus pais deram um nome de adulto a uma criança e o resultado é que, hoje em dia, sou um adulto com nome de criança. Apareceu Mami… e parece que não, mas é daqueles nomes complicados. Porque as pessoas não sabem exatamente como é que me hão-de chamar, apesar de ser só duas sílabas. Eu acho que é daquelas complicações a adultos. Imagina, se fores uma criancinha e te perguntarem, como te chamas, “Mami”, ninguém diz “ai que estranho”. As crianças adoram, é fácil de dizer. Os adultos fazem um filme, não estás a perceber. Ai não, eu não te vou chamar isso!
SR – É giro porque acaba por ficar um nome artístico giríssimo. Mas foste tu chamaste a si própria, ou de um irmão…

MP – Não! A pessoa não se chama a si própria nada… se não era do género Alexandria, por causa da biblioteca. Uma coia assim altamente intelectual O meu pai deve ter olhado para mim e disse Maria Miguel e fica Mami. Porque é um feijãozinho que anda para aí. O engraçado é que sempre me chamaram Mami, só há uma pessoa no mundo que me trata por Maria, que é o meu irmão Pedro. Se for na rua e me chamarem Maria eu não olho. Nunca. Não associo a mim. E o mais giro é que comecei a assinar Mami, nos meus trabalhos. E mesmo assim… eu acho que sou autoridade de mim própria, é inegável. É como se fosse um pais, eu é que mando aqui. Mas às vezes em entrevistas, as pessoas diziam assim: e como é que eu te chamo, põe Mami, ai não, não vou por Mami! Não se pode pôr, és Maria Miguel. Já me aconteceu ter de ir buscar revistas antigas, do género processo em tribunal, em que vais buscar casos antigos para provar. Escreve, Mami! Vou mostrar o livros das viagens – que tem uma capa linda da Margarida Girão – e diz Mami Pereira. Eu disse à Margarida Eu quer ser uma ilha. Eu se pudesse até tirava o Pereira e ficava só Mami.
SR – Não sei muito bem como começaste a viajar, mas tu passaste 12 anos a viajar… ininterruptamente.

MP – Interruptamente, infelizmente. Eu tinha 23 anos e decidi ir à Índia. Assim, à louca. A Índia para mim era um triângulo. Se eu fosse um herói, isto era a minha história de origem porque eu estou sempre a falar da Índia. E correu tudo pessimamente: fomos roubadas e os clichés todos que acontecem; só que passado um mês, quando voltei, já era outra. Andava em Lisboa, era cómica. Quando vão à Índia, quando são novinhas, vestem-se à hippie. Então, andava por Lisboa, em fevereiro, com aqueles tecidos levezinhos e com uma manta que eu tinha lá comprado. Tudo uma personagem. Fiquei logo constipada… mas nessa altura percebi que descobri o meu super-poder: eu sou uma viajante. Adorei conhecer-me em viagem, que era isso que eu não fazia ideia de quem é que eu era. Quem é que tu és em viagem, quando não mais ninguém te conhece. Mais ninguém sabe pronunciar o teu nome, No ano a seguir fui à China. Essas primeiras viagens eram todas de um mês e depois começaram a ser de 3 meses e depois 6 meses. E os últimos sete anos, têm sido 6 meses e o que eu fazia era passava cá o verão e chegava o inverno e pirava-me. Porque eu acho o inverno a pior pandemia que já foi inventada.

SR – E não moras no Porto… imagina!
MP – Não dava! Seria infeliz. Uma pessoa que não consegue acordar de manhã, é uma pessoa que não tem aquela vontade de viver que a maior parte das pessoas tem. Tudo isto que estás aqui a ver é patrocinado por café. Eu acordo zombie, espero que a alma desça ao corpo e só o café faz essa alquimia acontecer. Portanto, em viagem eu acordo bem. Está quentinho Eu viajo sempre para sítios quentes. Não me interessa conhecer todos os países do mundo, especialmente, eu gosto de ir para a sítios onde eu possa ficar… baratinhos, onde possa ficar uns meses a viver ao léu.
SR – Eu já ouvi também a dizeres isto sobre as tuas viagens. Eu achei piada que tu gostaste muito da Malásia. E eu costumo dizer que a Malásia foi o único país onde me senti rica.

MP – Eu foi na Índia.
SR – Na Índia não me senti particularmente rica, mas na Malásia, sim. Porque achei sempre tudo tão barato lá.
MO – Gostei muito da Malásia, porque não tinha expetativas. Já percebi que é o segredo da vida: não ter expectativas. Gostas de tudo, não é? E a Malásia, o Uruguai, a Nicarágua… foi tudo países que eu tinha zero expectativas. Nunca sequer pensei, ou planeei, ir lá. Foram tudo sítios em que eu fiquei mais do que um mês, porque estava completamente apaixonada. E a Malásia tem, além de tudo isso, a gastronomia é incrível. Porque eles têm imigração desde todo o sempre, de todo o mundo quase; as pessoas vão para a Malásia trabalhar e eles não têm esta atitude, que os países ocidentais têm, em relação aos emigrantes, que é como se fossem cidadãos de segunda. Por isso, tu vives ali num banquete cultural incrível. Foi o sítio onde eu comi melhor na vida. E eu amo comer. É a minha grande obsessão.

SR – Eu também. E eu comia muito na rua. Éramos um grupo de mulheres. Era uma das minhas tours, lideradas por mim. Havia metade que ia comer aos restaurantes e outra metade que comia na rua. Eu achava piada porque dizia assim, vocês não sabem o que se passa na cozinha dos restaurantes, senão se cahar preferiam comer na rua!
MP – Completamente. As intoxicações alimentares que eu apanhei em viagens, foram todas em restaurantes. E em restaurantes que pareciam bons. É o meu detox.

SR – Detox forçado! Acho piada àquelas pessoas que dizem: ah, vais viajar e alguma vez ficaste doente. E eu: eu estou doente o tempo todo. Ainda no outro dia postei uma fotografia épica, incrível, pôr do sol em Bagan (Myanmar), e as pessoas veem aquela fotografia e imaginam esta pessoa imperatriz do pedaço. Estava morta Há cinco dias que não saia da cama. Estava um calor de 40 graus. Tinha-me chateado com o meu namorado. Coitadinho, ele odiava tirar fotografias, como todos os namorados que são obrigados… e olho para aquelas fotografias e aquilo tem tudo um manancial de memorias.
SR – Eu por acaso, assim, da barriga, que é para não termos assim uma conversa escatológica, nunca tive mal.

AS VIAGENS… E AS DOENÇAS

MP – Nunca?!
SR – Nunca. Mas… fico sempre muito mal com os ares condicionados. Já sinto pavor e parece que estou a pedir o maior favor do mundo. Entro num sítio e digo: não se importam de pôr o AC mais baixo, por favor…. Estamos em sítios onde estão 30 graus na grau e eles põem o AC a 15. Então, primeiro é a garganta e depois fico de rastos. Vai para os pulmões. Por isso, já visitei um hospital na Índia, por causa disso, já fui também a um centro de saúde na República Dominicana, por causa disso… As minhas histórias são assim. E noutros sítios que também fiquei assim, De resto, não até me lembro que a ultima viagem com um grupo, em 2019, estávamos em Marrocos, estava com o João Cajuda, e no grupo houve várias pessoas que ficaram avariadas por causa de uma pizza berbere que a gente comeu, que era picante. E só eu e o Cajuda é que não ficamos mal. E eles diziam: pois claro, vocês já têm os anticorpos. Podem comer o que quiserem

MP – Eu fico sempre… nunca acontece nada realmente grave. Mas uma vez, no México, tive imenso medo, porque estava constipada. Daquelas constipações de 40 graus… depois molhaste para ir para a cama, porque não tens AC, és pobre; portanto, tens a porcaria da ventoinha; quando é assim vou para a cama com uma toalha molhada e a passar a toalha para refrescar. O que aconteceu? Fiquei com o nariz entupido e percebi logo, pronto vou ficar com uma constipação. Fui a uma daquelas farmaciazitas, que basicamente não é mais do que uma janela na casa de desgraçado qualquer, e disse, tens aí umas gotas para o nariz. E ele deu-me uma coisinha pequenina. É isto, mas meta só muito de vez em quando. E eu… está bem. Meto as gotas no nariz e o nariz fica imediatamente desentupido. Espetacular. Eu tenho este fascínio de medicamentos, de outros países, que são tiro e queda. Uma vez deram-me um xarope para a tosse indiano que eu adormecia com a cara no prato. E eu tenho insónias desde que nasci. Pronto, eu meti umas gotas no nariz; o nariz desentope; e passo uma meia hora começa-me a dar uma comichão, começo a ficar com a pele… até à noite ficou toda empolada. Toda vermelha. Toda a coçar. À noite não conseguia ter nada em cima do corpo. Eu chorava. O meu namorado, coitadinho, punha toalhinhas molhadas… Eu vi logo que aquilo tem qualquer coisa que eu fiz reação alérgica. Eu disse, temos de ir para o hospital. Mas nós estávamos em casa do caraças. Sei lá onde é que nós estávamos. Aqueles pardieiros, em que o hospital mais próximo é no outro país, quase. Eu comecei-me a assustar quando comecei a sentir a língua e os olhos a incharem. O que é que eu fiz? Viajo sempre com o atarax, porque dá aquela boa moca para a pessoa dormir. Tomei meio e a meio da noite acordei sem nada. Achei impressionante. Mas o nariz entupido outra vez. Obrigada Universo. No dia seguinte começou outra vez e atarax… e foram três dias assim. Agora quando está o nariz entupido… deixa ficar.

SR – Atarax, podem patrocinar aqui a Mami.
MP – Essas coisas não se tomam! Só para reações complicadas.
SR – Convém levar assim algumas coisas, para alguns países, sobretudo… por acaso conto sempre esta história. Eu não sou nada de tomar medicamentos, mas quando vou de viagem, levo uma carrada de medicamentos comigo, porque tenho medo que isso aconteça. Uma vez nos EUA, eu tenho herpes labial e precisava de uma receita médica para o Zovirax (que em Portugal tem venda livre). E eu era assim, a sério, estamos em LA e vendem droga, ali à frente, num consultório, e não posso comprar uma coisa para por no lábio? Depende muito dos países, há coisas que são mais difíceis nuns do que noutros, mas eu lembro-me também que, uma vez na índia, eu fiquei tão entupida – e nem sabia que isto podia acontecer – que acordei com o olho fechado, inchadíssimo. Comecei a chorar e mandei mensagem para o nosso guia e disse assim, acho que tenho de ir para o hospital. Então, fomos ao hospital privado – que parecia de campanha, mas era um hospital privado, em Kerala – foi muito bem tratada, a médica era espetacular. Mas nunca mais me vou esquecer que fui à farmácia do hospital, com a receita médica… então, o que é que ela disse, que eu fiquei tão entupida que o saco lacrimal também entupiu e fechou o olho. Então, eu não via. A senhora da farmácia do Hospital recortava os medicamentos. Ora bem vai tomar antibiótico três dias, abria a caixa e recortava os três comprimidos. Este é para fazer inalações, também são três, para três dias.

MP – São ótimos! E na Índia eu fartei-me de comprar medicamentos, porque é ao contrario. Não precisas de receita médica, vais aos tipos, tem não sei quê… baratíssimo. E ainda por cima há um ano, estava na Índia… entretanto fui à Índia mais… a primeira vez fiquei traumatizada… mas depois, passados 10 anos, fui lá outra vez e já percebi que é o meu sítio. Não queria cair no cliché do aiii, a Índia, mas é o meu sítio.
SR – Eu também acho isso.

MP – Ah sim, há ali qualquer coisa. E olha que eu não sou uma pessoa espiritual, no sentido religioso. Não vou para o ashram pagar para estar a limpar o chão com a escova de dentes, não sou nada… e tens de acordar às quatro da manhã, não é a minha cena. Só que a Índia tem esta capacidade de me curar e esta última vez que eu lá, fui com a minha melhor amiga, e entretanto já fui para lá em janeiro. Portanto, já havia esta cena do Covid, mas ainda era uma coisa que ainda estava na China.
SR – Eu estava na África do Sul e era exatamente isso. É uma coisa que está ali…

MP – Às tantas, as pessoas cá já estavam um bocado assustadas e nós continuávamos lá a pensar, não, nem sequer vamos voltar para lá. Isto aqui não chega de certeza. Isto três dias antes de eu ter que voltar, obrigada… obrigtoriamente.
SR – Eu estava no Chile… digo que fui recambiada.

MP – Pois, é isso, foi de um dia para o outro. E no meu caso específico, eu lembro-me desta coisa – estávamos em Jodhpur, que é uma cidade onde sempre me acontece qualquer coisa, não volto a pôr lá os pés. Adoro, esteticamente é lindo, é tudo azul, parece Marrocos (Chefchaouen), mas… há sempre qualquer coisa que me acontece lá. E desta vez tinha de voltar por causa da Covid, e nós decidimos ir às farmácias de lá comprar coisas como… paracetamol, máscaras, termómetro. Viemos artilhadíssimas para Portugal… Ainda no outro dia estava a oferecer uma aspirina, um paracetamol indiano, e a pessoa recusou-se a tomar e acho mal, porque é ótimo, ahaha. Ensinou-me uma lição preciosa. Nunca tinha percebido porque é que as pessoas demoram tanto tempo, para sair de uma situação de guerra. No caso do refugiado, por exemplo, porque é que só vêm já quando não há nada a fazer. Porque é que as pessoas ficam num sítio quando as coisas estão a ser ameaçadas. E eu nunca percebia porquê…

SR – Estás sempre à espera que aquilo dê a volta…
MP – E estás sempre a achar que não, não é assim tão mau, e não te vai acontecer nada a ti. E eu lá na Índia, estava a tentar fazer render o peixe ao máximo, e tinha lá ficado, mas o que aconteceu é que comecei a receber cancelamentos de guesthouse. Eu não fico em hotéis, fico em guesthouses… no Booking, hoje em dia, ma. s não são sítio s caros. E começaram a cancelar e eu pensei assim: para um indiano não querer ganhar dinheiro, para cancelar, para acabar com o turismo, é porque é sério e vai ser…
Então, o que fizemos… ligamos á nossa astróloga (astrologia de Grei), a minha amiga Telma. E ela diz; isto vai fechar amanhã, venham já. Pelo sim, pelo não, a pessoa vai.
SR – Em que data voltaste?
MP – Eu acho que confinamos dia 15 de março, não foi?
SR – Pois, não sei porque eu cheguei cá no dia 19 de março e nunca sei disso.

MP – Eu cheguei um dia antes de tudo fechar.
SR – Eu já me vi grega para vir de Madrid para o Porto. Mas é engraçado, estou a ouvir-te e sinceramente é essa a sensação que tu tens. Ok. Havia pessoas que diziam: então, não se via mesmo, Susana, que ia ser assim. E eu: a sério, já passaste por uma pandemia, para saberes que isto ia ser assim. Mesmo que já tivesses passado por uma pandemia, quem é que ia dizer que nos, hoje, dia 12 de fevereiro de 2021, íamos estar outra vez confinados. Na altura, recebi mensagens de tudo, ódio, e tudo, quando fui para o Chile porque as pessoas, sei lá, primeiro não percebem que isto é a minha profissão, e segundo de facto quando eu cheguei ao Chile havia cinco casos, em Santiago, e eu fui para o Atacama, não podia estar num sítio mais afastado. Até hoje em dia tem pouquíssimos casos. Que eu ainda pensei em ficar lá, e estava lá uma amiga minha, que ela ficou, ainda durante bastante meses. Mas aconteceram-lhe tantas coisas lá, que ela tem um livro para escrever, e eu agradeço não ter ficado lá. Mas, conto sempre isto: eu olhava para as notícias em Portugal e as pessoas lutavam por papel higiénico, e eu pensei assim, ora bem, se isto não é o fim do mundo, devemos estar lá muito perto. Se calhar é melhor eu voltar para casa.

MP – O meu problema nem era o Covid. Eu achei mesmo que ia haver… era a segurança civil que estava ameaçada pela escassez.
SR – Eu pensei nisso. Eu estou no deserto. E se eles, amanhã, decidem pôr a água 10 vezes mais cara. Eu não tenho dinheiro para ficar aqui. O senhor da guesthouse disponibilizou-se para que eu ficasse. Só que comecei a pensar, não, eu tenho de ir para Santiago quanto antes e, pronto, a partir daí foram três dias de luta para chegar à Europa. Em Madrid já tive de alugar um carro, porque não havia voos. Mas isto são as histórias que são giras… se me perguntares, se preferia ter passado por aquilo… ainda há pouco tempo um amigo dizia, faz um ano que estavas a comprar a viagem de terror (nightmare trip to Chile)… e eu disse, a viagem foi boa, o regresso é que foi mau.

MP – Sim! Ainda bem que fui à Índia no ano passado. Ainda bem! Curou-me. 2019 ainda foi pior que 2020 e também teve muita coisa boa, porque eu acho que os escandaloso destes anos, pelo menos para mim, vem com muita coisa má e com muita coisa boa. E fica tudo misturado.
SR – Fizeste hoje um post giríssimo no Instagram. Chegou aquele dia, em que a gente diz: afinal 2020 não foi assim tão mau. Houve montes de coisas que fizemos; se calhar até estivemos mais próximos de família e amigos, que normalmente não estaríamos; arranjamos formas de comunicar diferente; eu olho para trás, estive a viver vários meses no Algarve e digo se não fosse a pandemia era impossível ter tido aquela experiência. Estou a ler um livro “Mulheres Viajante”, não tenho a tua vontade tão grande, ou seja, eu paro muito de ler, começo e paro, recomeço o mesmo livro não sei quantas vezes… e li lá uma frase que até apontei, que citam a Agustina e que “a viagem é a intimidade do importuno”. Fiquei a pensar montes de tempo nesta frase e de onde vinha… eles explicam que a palavra inglesa “travel”, vem de travail, que por sua vez vem de tripalium, que era um instrumentos de tortura… a descrição que faz é que antigamente as viagens eram uma coisa dolorosa, que as pessoas faziam em trabalho.

MP – Ainda são!
SR – De cada vez que a gente vai para a viagem é mesmo assim, é roleta russa, não sabemos o que vai acontecer. Mas vamos porque gostamos.
MP – Tu nunca leste nada do livro das viagens?
SR – Nada. Só coisas que possas ter dito no Instagram

MP – Dentro de mim há uma Agustina, deixa ver onde está. As pessoas dizem, ah tu adoras escrever, e escreves imenso… e eu não… eu não gosto de escrever. É uma tortura ter que escrever e na verdade só escrevo porque gosto de me ler. Noutro dia dizia, estou a gostar muito deste livro. O das viagens é uma composição de cónicas que eu escrevi para o Dinheiro Vivo e para o Eco, para os jornais, durante os últimos cinco anos. Todas semanas eu mandava. Era ótimo, tinha um deadline, é a única maneira de que trabalhar é assim. Este livro está a ser feito de raiz. Porque este era o livro que eu gostava de ter lido sobre música clássica e como não existia, eu tenho de o escrever. Mas, só tenho esse prazer quando o estou a ler, porque parece que é uma tradução de coisas que eu tenho cá dentro, que não tenho acesso imediato e eu estou em etado de constante surpresa como “hey, de onde é que isto me saiu?”. É que parece que não sou eu!

SR – Há dias, com uma entrevistada, disse-lhe isso. A gente para trás e há textos que eu digo assim, fui eu que escrevi isto? Wow! Estava inspirada. E há outros que é o contrário. Eu escrevi isto? Ai que vergonha!
MP – É uma surpresa, então deixa-me eu ler-te aqui este bocadinho. Um daqueles resumos, no final de cada viagem, fazia um resumo e este é o da viagem”. (lê um poema que está no livro)
“Isto de viajar é horrível
É caro, cansativo, perigoso
E dá cabo da saúde
E o pior de tudo é que acaba depressa demais.
Viajar é dormir mal
É julgar o país pelo colchão
E o autocarro pela suspensão
É rezar ao Panteão,
Para sairmos vivos daquele louco táxi-barco ou avião.
Viajar dá medo
É fugir de vulcões, tempestades, inundações, policias e ladrões.
É ser pobrezinho e andar a contar os tostões
E é habituar-se a ter más digestões.
Viajar é uma chatice
Qualquer decisão dá discussão
E muitas vezes acaba e, desilusão
(…continua)

MP – E depois escrevo o contrario disto tudo, que viajar é incrível. MAS é isso tudo, está tudo cá centro. Enquanto que as férias é um ambiente hibrido, em que tu não experimentas a vida. Tu vais de férias exatamente para parares, com a vida, com os infortúnios da vida… Por isso é que vais para um resort, não queres ser chateado… a viagem é o contrário. A viagem é a vida em esteroides. É uma luz cheia que nunca mais acaba. E depois das viagens preciso de férias, e as pessoas não percebem isso.

SR – Verdade. Quando chego a casa dessas viagens grandes, e sou um bocado caixeiro-viajante. Por exemplo, estive no Algarve, agora fiquei um mês numa casa, mas houve vários meses em que eu mudava de sítio, uma altura era de 3 em 3 dias e depois de semana a semana. E isto é muito desgastante. É super giro, mas é muito desgastante. Porque não tens rotina nenhuma e chegas a um sítio e é recomeçar tudo de novo. E cansa. Tudo a gente nos diz que nós temos a melhor profissão do mundo, mas que é assim todas as profissões têm o seu quê e o seu desgaste. Não a trocaria por nada, é um facto. Infelizmente no último ano não a tenho feito muito. Mas é isso, a viagem balança-nos… a gente nem sabe muito bem… Foi numa conversa com uma coach, que viajou muito, nos primeiro anos da sua idade adulta, e disse que inveja, porque eu comecei a viajar muito tarde. Não sei se te aconteceu o mesmo…
MP – Eu foi aos 24.

SR – Eu foi só por volta dos 27 que comecei a viajar mais regularmente e daí ter feito um site de viagens, porque também trabalhava em jornais, revistas, e rádio, tudo me prendia muito a redações e eu disse, não quero estar mais liberta, quero ser freelancer e vou criar um projeto. Se eu quero viajar, vou criar um projeto de viagens.
MP – Eu acho que tem de ser assim. Se o que tu queres não está a funcionar. No mundo, a tua interação com a sociedade, então faz as coisas à tua maneira.

SR – O que dizias há pouco é mesmo assim. O site, quantas vezes, procurava coisas e só encontrava sites brasileiros ou então não encontrava sites dirigidos para mulheres nos 30 anos, e agora nos 40. Havia muito pouco, agora já há imensos. Havia muito pouco dicas para nós, e parecendo que não, interfere a idade. Porque a gente não viaja da mesma forma.
MP – É bom começares mais nova. Porque é como tudo o resto. Tens mais pachorra. Eu por exemplo fui há 2 anos a Bali, pela primeira vez, e tive pena de não ter ido lá ao princípio, quando tinha 20 anos. Porque cheguei a esta idade em que já vi tanto e senti, e chegar a um sítio que é completamente turístico. Isto tinha graça quando eu própria era ingénua para acreditar nisto. Mas, agora, dava tudo para estar em Bali. Tudo.
SR – No momento em que começaram a aparecer as primeira vacinas, eu pensei vamos tomar uma vacina… isto não foi bem tratado… agora digo assim… venham 20, dou o meu corpo à medicina.

MP – Toda a gente tem a sua opinião e as pessoas são livres de irem contra o Darwinismo, acho ótimo. Todos os anos tomo uma batelada de vacinas, para ir para qualquer país do mundo. O meu corpo já não é um corpo saudável, é uma caixinha de todas as invenções químicas que entretanto fizeram. Que eu continuo a honrar, comendo quilos de Nutela, e coca-cola e McDonald’s, etc. É um parque de diversões. Em relação à vacina, a maior parte das pessoas não está a perceber que vai ter de a tomar, se quiser continuar a fazer viagens.
SR – Tenho a certeza que dentro de poucos meses, os países só vão receber as pessoas vacinadas.

MP – Claro e isso é normal. Ninguém se importa de ir fazer a lua de mel, nas Maldivas e levar as injeções, agora de repente isto aqui é um problema, não é? É normal que as pessoas confiem. Também estamos numa idade mediática, hoje em dia põe-se tudo em causa. Convido a irem ler, nem precisam de ler a História, nem a História dos nossos reis, podem ler a história da música clássica, e perceber que a maior parte dos compositores nascem em famílias com 10/15 irmãos e havia dois que chegavam à idade altura, porque não havia vacinas nessa altura. Quando se percebe a mortalidade infantil, então se calhar pensam duas vezes.
SR – Penso que o medo estará associado a ela (vacina) não ter sido, ou seja, termos a pandemia há um ano e ela não foi experimentada vezes suficientes. Das primeiras coisas que se dizia era que precisava, de vários anos no mercado para se estudar.

MP – Acho bem as pessoas porem em causa isso, mas então que ponham em causa tudo. O que come, de onde vem, como é que são feitas. Os medicamentos que se toma. Porque se fores a ver há, uma vez vi um caso bizarro, de um daqueles programas da tarde, de uma rapariga que infelizmente fez uma reação alérgica ao Ben-u-ron, que é daquelas coisas que tomámos…
SR – Também tenho um tio alérgico…

MP – Eu sou alérgica à penicilina. É daquelas coisas… eu tenho de levar antibióticos comigo de viagem. Porque se me acontece alguma coisa – e ninguém me testa se sou alérgica ou não – eu tomo aquilo e tchau. Eu não tenho conhecimento científicos para por a comunidade cientifica em causa. Se fosse uma coisa que matasse mais do que curasse, obviamente que ninguém se predispunha a comercializar isso.
SR – Já ouvi dizer que Cuba vai oferecer a vacina aos turistas. Estou numa grupo – porque fui a Cuba, pela segunda vez, há dois anos – e recebo informação, e parece-me que estão a preparar melhor o regresso ao turismo. E têm testes nos hotéis a 30 dólares, e nós aqui continuámos a pagar uma fortuna por um teste. Vais para lá, vais fazer férias a Cuba e como têm apostado muito em turismo de saúde… – agora, estão prontos para içar essa bandeira do turismo de saúde! Eu disse isto a uma amiga e ela disse: e quanto tempo temos que ficar lá para a segunda dose?

MP – Exato! Tempo suficiente para arranjar um noivo cubano.
SR – Então o problema dela era o tempo: temos de ficar três meses? Pessoas pragmáticas!
MP – Eu escrevi duas das minhas crónicas deste livro novo, que eu não estou a dizer o título de propósito…
SR – Já reparei e por isso mesmo não te pergunto…

MP – Mas é um grande título. Mas duas destas Crónicas são sobre a morte. Fui ver o que é isto da morte. Como é que a nossa relação com a morte. Sempre foi igual? Claro que não! Diferentes culturas têm diferentes relações com a morte… diferentes religiões. Li uma frase ótima, ontem, “nas trincheiras não há ateus”, e nos hospitais também não há. Mesmo que a pessoa não tenha esta carga religiosa, agarra-se a qualquer lado. O problema é que a nossa maneira de viver, à ocidental, ignorar tudo o que não nos agrada. Faz com que tenhamos que a morte está ao virar da esquina e exatamente por isso nos devemos agarrar à vida. A morte é uma invenção da vida. Estive a ler muito sobre isso e cheguei às minhas próprias conclusões. O que interessa é isso. Não é ignorar que a morte existe; é saber que ela existe, está aqui, pode acontecer ao sair na rua, cai-te um piano em cima, aconetcee todos os dias e é exatamente por isso que temos de viver bem. Porque vamos morrer de certeza. É um cliché, mas é o que a pessoa não quer saber.
SR – Há montes de clichés que devíamos dizer para nós diariamente, para interiorizar. Nas tuas idas à Índia foste a Varanasi?

MP – Não, fui a Haridwar, que é uma espécie de Varanasi, mas menos turística. A Varanasi dos turistas pobres.
SR – Porque, uma das coisas que eu escrevi sobre Varanasi é que lá a fé é tudo. As pessoas vão para Varanasi para morrer. E de facto eles encaram a morte de uma forma tão… é simples. É aquilo. Eles prepararam-se. Sentem, eu estou a morrer então eu vou para ali porque é ali que eu quero morrer. É por isso que aquela sociedade – com as suas coisas boas e más – é mesmo incrível a Índia e acho que é por isso nos marca tanto e nós queremos ir lá. Já fui três vezes e já estou a programar a quarta. E se não fosse a Covid já tinha ido.

O FEMINISMO

SR – Estas Conversas do Confinamento são feitas a Mulheres, especialmente que fazem trabalho em prol do outro. Alem das viagens, do livro que já escreveste e do que estás a escrever, tens um outro projeto que é o Mulherzinhas DC (Mulheres do Caraças). Porque tu também, como eu, és uma proud feminist. Diz-me como feminista qual foi a ideia de criares este canal, para mostrar muitas outras mulheres que se destacam, de certa forma.

MP – Um dos principais problemas que as “minorias” têm – e estou a dizer minoria, porque nenhuma é realmente minoritária, muito menos sendo metade do mundo, como é o caso das mulheres – um dos problemas que quem não manda tem, é a falta de referências. Não estão na ponta da língua. Eu percebi isso, uma vez, a ser entrevista. Então, agora, dizes cinco pintores, cinco fotógrafos, cinco músicos, cinco escritores e eu respondi rapidamente mas eram todos homens. Pensei, que estranho, sou fotógrafa, sou viajante, sou escritora, porque não falei sobre mulheres. Não estão na ponta da língua. E tem de estar. Depois cai-se dentro da falácia de que não existem. E o Mulherezinhas do Caraças, foi uma maneira de… eu estava em África, na altura, e nestes países – em vias de desenvolvimento, vamos chamar assim – tu vês o poder da mulher, porque não há ali aquela coisa… nem sequer se está a falar de igualdade, vês literalmente uma mulher a carregar o mundo. Estás em África, tens as mamãs, com a criança à frente e uma criança atrás, os alguidares, a lenha, tudo à cabeça. Os homens estão na taberna a beber, a rua é dos homens, as mulheres estão a trabalhar ou estão em casa. É normal que quando vais para países desses sintas as coisas mais na pele. Cá em Portugal, nós temos de ter esta ideia , ah, não, está tudo bem, ser mulher é facílimo. O Mulherzinhas foi um bocado para isso. Tenho esse lado mais engajado para ser feminista, é a minha batalha. E quis criar ali uma comunidade onde não só, havia muito na altura o influencer e porque não usamos isso para mostrar o que interessa? Há muita mulher incrível! E dentro do espírito do Instagram, é para mostrar a outras mulheres do caraças, não só vivas, mas também as minhas grandes ídolas. Que eu cheguei à conclusão, porque dia 8 de Março há sempre esta coisa de pores as tuas ídolas, ícones… eu dei por mim a ir buscar e a pôr fotografias delas quando eram novas. Estava a fazer isto naturalmente, mas a maior parte destas mulheres chegou a velha, porque estou a por uma fotografia delas quando eram novas? Temos esta coisa, ainda. Não basta terem sido mulherões, como uma Jane Goodall, uma Nina Simone, uma Simone de Beauvoir… porque é que ainda estás a ir buscar fotografias antigas? Porque é que elas ainda precisam de mostrar – mortas, algumas, na campa – ainda precisam de mostrar que são giras. Então meti as velhotas, cheguei a conclusões muito interessante. É preciso cada vez mais passos que nós próprias – e isto que estás a fazer, neste teu projeto, é necessário – porque nós temos que… Portugal tem muita coisa incrível, mulheres em todas as áreas fazer coisas espetaculares e ainda cheia de graça. Além de… Se há coisa que me irrita e se tu fores ver o Mulherinhas, falo de cada mulher e nunca falo no aspeto físico. Não há uma referência ao aspeto físico. Quando alguém me apresenta, numa entrevista, imagina… estou a falar de lojas antigas, “Mami Pereira, além de gira, até sabe escrever”…

SR – A semana passada tive a entrevistar a Heloísa Righetto, que mora em Londres, teve um canal durante muito tempo que era o Conexão Feminista. Ela recebeu mensagens horrorosas… a bandeira dela era mostrar muitas vezes… e expliquei-lhe o que se passou aqui nas presidenciais. Que houve um candidato que disse, a fazer uma caricatura dos outros candidatos, que falou de uma por causa do bâton vermelho, e disse que fiquei emocionada com todo o movimento de sororidade, mas também de homens que se juntaram. Que foi muito bonito. E ela diz: nós não nos conseguimos libertar disso. Repara, há mulheres que são péssimas no seu trabalho. Há! Como há homens. Mas a mulher tem sempre de ser caracterizada pelo seu aspeto físico, pela forma como se veste, porque se for Ângela Merkel, porque se veste de uma forma austera… ninguém vai dizer isto de um homem.

MP – E nunca há-de ser. E é uma batalha que não podes ganhar, porque infelizmente – isto dava para outra conversa…
SR – Marcamos já para dia 8 de Março.

MP – Infelizmente ser mulher é uma formatação que nos fazem para sermos um produto de consumo masculino. Por isso, não há uma maneira de ganhar… não podes ganhar porque a mulher não foi feita para ganhar na sociedade. A mulher foi feita para ter um papel específico na sociedade e por isso é que ainda recebemos bom feedback se tivermos este aspeto e até parece que a vida é um bocadinho mais fácil… mas é um pau de dois bicos. Porque te abrem certas portas, ok, vamos lá ouvir o que esta menina tem para dizer que é tão bonitinha. Com isso já te estão a carimbar. É superficial, não tem inteligência, etc. E é muito engraçado, se as pessoas que não me conhecem de lado nenhum forem ao Mami Geographic, vão ver um IG que é só fotografias minhas a ser linda de morrer. Porque o meu primeiro IG – eu gosto de tirar fotografias – foi sobre uma paixão que tinha de arquitetura dos anos 70. Andava fascinada a tirar fotografias dos anos 70. E como podem imaginar estava cheio de seguidores. As pessoas adoram arquitetura dos anos 70. O que é que eu comecei a perceber: tu pões a tua fotografia da tua cara e pões de um livro, a diferença do algoritmo é gritante. O meu IG está ali para pescar, mas tudo o que interessa é o que escrevo nas legendas. É o convite que faço às pessoas, é que não se fiquem com os bonecos e leiam as legendas.
SR – A propósito da tua história, com uma outra entrevistada, a nossa colega jornalista, a Vânia Maia, da revista Visão, fez um trabalho com as “guerreiras”, que são as mulheres que são uma força nos campos de refugiados do Uganda. Uma entrevista muito interessante. Que mostra a perseverança e a resiliência incríveis destas mulheres. Li há pouco tempo – não me recordo qual é o autor – uma frase que é: metade do mundo são mulheres e a outra metade são filhos delas. É só para acabar em bem o final da nossa conversa. Às vezes, parece que se já de falou demais, mas ainda há muita coisa para falar.

MP – Enquanto houver esta coisa do “és feminista?”, então é porque precisámos de feminismo. É aquela expressão que tem de desaparecer para tu perceberes que de facto andamos para a frente.
SR – Quando me perguntam, mas que tipo de feminista és… e eu… feminista. Tem que haver um tipo?

MP – Eu nesse caso acho que as pessoas perguntam isso porque há o de seres feminista radical ou liberal. Há muitos tipos de feminismo. Eu sou a feminista radical, não no sentido de rapar o cabelo e queimar soutiens, mas porque radical tem a ver com a raiz. A feminista radical é aquela que acha que não basta, por oposição à liberal, que quer as mesmas oportunidades sendo a sociedade como ela é. Portanto, uma Angela Merkel é uma feminista liberal. Não sei se ela se considera feminista. Mas chegou onde chegou e pode ser um bom exemplo de feminismo liberal, porque conseguiu vencer num mundo dos homens. Eu preconizo um novo tipo de sociedade, com novos valores, uns associados ao feminino e outros ao masculino, enquanto o sistema foi o patriarcado, não me interessa ter a mesma oportunidade de chegar lá e cometer os mesmo vícios. Não me chega isso. Quero realmente que seja possível criar um novo tipo de sociedade com outro tipo de valores, que é para nem sequer ter de haver esta coisa “podes subir porque tens uma quota”, “porque és mulher”. Não! Tu podes chegar onde quiseres porque és um ser humano, e todos somos iguais. E quando isso acontecer, não precisas de ser feminista, porque aí não precisas de ser antirracista, não precisas de ser anti-homofóbico, porque aí sim vai haver uma igualdade geral. Por isso… feminista radical!
SR – Muito obrigada por teres estado aqui. Muita sorte para esta fase do livro de reler.

Conversas do Confinamento: Mami Pereira
Conversas do Confinamento: Mami Pereira