Annie Londonderry: a mulher que desafiou o Mundo numa bicicleta

Annie Londonderry

Projeto “52 Mulheres em 2025 – MEV, MulheresEmViagem.pt”. A história de uma mulher, por cada semana do ano. Durante o ano de 2025, o MulheresEmViagem.pt faz uma homenagem a Mulheres de todo o Mundo, de vários países, de várias áreas de formação, que se tornaram referências. Algumas já não estão entre nós, mas muitas outras ainda estão a transformar o nosso mundo, dia após dia, com o seu esforço e trabalho por um mundo mais igualitário! Por um mundo com mais referências femininas, sobretudo em áreas que nos estiveram vedadas durante séculos (milénios, por vezes…).

Mais Sobre o Projeto “52 Mulheres em 2025 – MEV, MulheresEmViagem.pt”. A história de uma mulher, por cada semana do ano.

Annie Londonderry nasceu em 1870, com o nome Annie Cohen Kopchovsky, numa família judaica emigrada da Letónia para os Estados Unidos. Casou cedo e tornou-se mãe de três filhos, vivendo em Boston, numa época em que o papel da mulher estava restrito quase exclusivamente ao lar. O seu destino parecia ser o mesmo de tantas outras mulheres do século XIX: cuidar da casa, dos filhos e do marido.

Mas, Annie tinha uma ambição diferente. Ela queria ser reconhecida, queria escrever, queria viajar e, sobretudo, queria provar que as mulheres podiam ser livres, independentes e capazes de feitos tão ou mais ousados do que os homens. Foi essa determinação que a levou a aceitar um desafio improvável: dar a volta ao Mundo em bicicleta.

A aposta que mudou a sua vida

Em 1894, Annie ficou a saber de uma suposta aposta feita entre dois homens de Boston: que nenhuma mulher seria capaz de dar a volta ao mundo em bicicleta em menos de 15 meses e ainda arrecadar 5.000 dólares pelo caminho. Não há provas de que essa aposta tenha realmente existido, mas a história serviu de motivação para Annie.

Sem nunca ter andado de bicicleta de forma séria e deixando para trás marido e filhos pequenos, Annie aceitou o desafio. Fê-lo, sobretudo, para provar que uma mulher podia conquistar o mundo com coragem, inteligência e resiliência.

Annie e a bicicleta: liberdade sobre rodas

No final do século XIX, a bicicleta tornou-se um símbolo poderoso da emancipação feminina. Para muitas mulheres, andar de bicicleta era a primeira experiência real de mobilidade e autonomia. Susan B. Anthony, uma das maiores líderes do movimento sufragista norte-americano, chegou a dizer:
“A bicicleta fez mais pela emancipação das mulheres do que qualquer outra coisa no mundo.”

Annie compreendeu esse poder. Vestida inicialmente com longas saias, depressa percebeu que era impraticável pedalar assim. Passou a usar calças de montar, algo que chocava os mais conservadores, mas que representava liberdade e ousadia.

Patrocínios e identidade reinventada

Uma das estratégias mais inteligentes de Annie foi transformar a sua aventura numa oportunidade de negócio. Ela conseguiu o primeiro patrocínio da New Hampshire’s Londonderry Lithia Spring Water Company, que pagou para que ela levasse o nome “Londonderry” pintado na bicicleta. Assim nasceu o nome pelo qual se tornaria mundialmente conhecida: Annie Londonderry.

Durante a viagem, Annie aceitou outros patrocínios, vendendo espaço publicitário na bicicleta e até na roupa. Isso permitiu-lhe financiar parte do percurso e, ao mesmo tempo, mostrou uma visão pioneira de marketing pessoal e empreendedorismo feminino.

A volta ao Mundo em 15 meses

Annie começou a sua jornada em Junho de 1894, partindo de Boston. Inicialmente pedalou até Chicago, mas cedo percebeu que o desafio era demasiado duro para cumprir sozinha e sem apoio. Por isso, adaptou o plano: passou a alternar entre bicicleta e transportes públicos, utilizando o tempo e os patrocínios para continuar a sua narrativa.

Fez escalas em cidades como Paris, Marselha, Jerusalém, Alexandria, Colombo, Singapura, Saigão, Xangai, Nagasaki e São Francisco. Não pedalou literalmente todos os quilómetros, mas percorreu trechos significativos e, mais importante ainda, contou a sua história com talento e ousadia.

Annie era, acima de tudo, uma narradora carismática. Em cada cidade, dava palestras, escrevia artigos e explorava a curiosidade que a sua viagem despertava. Misturava factos e fantasia, exagerava aventuras, criava mitos em torno de si própria. Foi talvez a primeira mulher a perceber o poder da autopromoção mediática.

Em Setembro de 1895, Annie regressou a Boston, tendo cumprido os 15 meses estipulados.

Uma pioneira do jornalismo feminino

Mais do que uma ciclista, Annie era uma comunicadora. Escreveu artigos sobre a sua viagem para jornais e revistas, incluindo para o New York World, de Joseph Pulitzer, um dos mais influentes da época. Descrevia-se como “uma jovem mulher do mundo moderno”, determinada a não ser prisioneira do papel doméstico.

O seu talento narrativo fez dela uma das primeiras mulheres jornalistas de viagens e repórteres de aventura. O que conquistou não foi apenas o feito físico da bicicleta, mas sim a criação de uma imagem de mulher independente, viajante, empreendedora e dona da sua voz.

O impacto no feminismo

Annie Londonderry tornou-se uma inspiração para as mulheres da sua geração. A sua viagem simbolizava a libertação das amarras sociais, mostrando que o lar não era o único destino possível para uma mulher.

Ela desafiou as convenções de género, mostrou que uma mãe podia também ser aventureira, e abriu caminho para outras exploradoras e jornalistas. O seu exemplo foi lembrado por sufragistas e por defensoras da liberdade feminina.

Hoje, Annie é recordada como uma figura histórica da emancipação das mulheres, ainda que muitas vezes esquecida. O seu legado vai muito além da bicicleta: representa a coragem de reinventar a vida, de contar a própria história e de desafiar o Mundo.

Annie Londonderry nos dias de hoje

Atualmente, Annie é celebrada em livros, documentários e artigos que resgatam a sua memória. A sua história continua a inspirar mulheres viajantes, empreendedoras e criativas que encontram nela um exemplo de ousadia.
No universo das viagens femininas, Annie é vista como uma pioneira do “viajar sozinha” — uma mulher que, contra todas as expectativas, deixou marido e filhos para correr atrás de um sonho e de um ideal.

A bicicleta, que no seu tempo já era símbolo de liberdade, hoje é também um ícone de sustentabilidade, saúde e mobilidade. O legado de Annie continua vivo em cada mulher que decide pegar numa bicicleta, numa mochila ou numa mala e explorar o Mundo à sua maneira.

A história de Annie Londonderry não é apenas sobre pedalar à volta do globo. É sobre autonomia, coragem e poder feminino. É sobre uma mulher que soube usar as ferramentas do seu tempo — a bicicleta, a imprensa e a sua inteligência — para criar um lugar para si num mundo dominado por homens.

Recordar Annie é resgatar uma parte fundamental da história da emancipação feminina. Ela não foi apenas uma ciclista, mas sim uma pioneira do feminismo moderno, uma visionária do marketing pessoal e uma inspiração eterna para todas as mulheres que acreditam na liberdade de escolher o seu próprio caminho.