Quando o Tabu Mata: a Menstruação e o exemplo do Nepal

Copo menstrual © Pixabay

Chegou recentemente à Europa, em pleno ano de 2023, a notícia de que (mais) uma menina morreu depois de pernoitar numa “cabana menstrual” no Nepal, Anita Chand, com apenas 16 anos.

Texto de Bárbara Neves*

No sopé das majestosas montanhas do país, uma prática cultural profundamente enraizada chamada Chhaupadi ainda existe e levanta questões complexas sobre a relação entre a menstruação, religião e crenças culturais. Esta tradição, que força meninas e mulheres a isolarem-se durante o período menstrual, é um exemplo impactante de como as percepções religiosas podem influenciar as vidas das pessoas menstruantes de maneira significativa, e de como o tabu menstrual ainda mata mulheres e meninas hoje em dia.

Chhaupadi é derivado de duas palavras: “chhau”, que significa menstruação, e “padi”, que se refere a um lugar remoto ou isolado. Esta prática, que remonta a séculos, tem origem nesta visão de impureza ritual no hinduísmo, associada à menstruação como sendo contaminante e suja, o que faz com que meninas e mulheres inseridas em sociedades com tais crenças sejam são forçadas a saírem das suas casas e isolarem-se da comunidade, nas tais “cabanas menstruais” durante o seu período menstrual.

Imagens da Chhaupadi.

A prática é de tal forma enraizada, que se o período menstrual se inicia a meio da noite, são forçadas a iniciar o seu isolamento nessa mesma noite. Em muitas comunidades, chegam a ser 6 a 10 mulheres e meninas juntas numa só “cabana”, todas expostas a condições extremamente duras.

No contexto hindu, a menstruação sempre foi historicamente associada à impureza ritual. Durante esse período, em muitos contextos, as mulheres são também excluídas de certas atividades religiosas, como por exemplo, entrar em templos.

Menstruação DR
Menstruação DR

Este é o espelho e resultado da falta (e da importância) da educação das comunidades locais sobre temas relacionados com os direitos humanos, e que deixa clara a forma como as crenças e os mitos ainda estão enraizados na menstruação.

Nos últimos anos, têm existido vários esforços para combater esta prática, nomeadamente através de leis proibitivas e campanhas de consciencialização – em 2005, a prática foi proibida pelo Supremo Tribunal Nepalês, e mais tarde criminalizada em 2017.

Porém, apesar dos esforços reunidos por várias organizações para consciencializar as comunidades sobre os riscos do isolamento e promover a educação menstrual, a implementação efetiva da proibição do chaupadi tem sido um grande desafio, sobretudo nas áreas mais remotas e regiões onde vivem as crenças profundamente enraizadas.

Antes de Anita Chand, a última morte relacionada com o chhaupadi foi a de Parwati Budha Rawat, uma jovem de 21 anos, que veio a falecer após passar três noites numa cabana. Como resultado, o seu cunhado foi sentenciado a três meses de prisão.
Segundo o “The Guardian”, desde a morte da menina Parwati em 2019, existiram várias campanhas empenhadas em destruir as cabanas, porém, a pandemia veio tirar o protagonismo à causa, o que permitiu que os locais as reconstruíssem.

Menstruação - BiancaVanDijk - Pixabay
Menstruação – BiancaVanDijk – Pixabay

Este isolamento menstrual traz consequências profundas à esfera de direitos humanos das pessoas que menstruam, nomeadamente os riscos à saúde, uma vez que força o isolamento em “cabanas” rudimentares e sítios sem condições de higiene, expondo-as a condições climáticas extremas, insetos e animais selvagens, como foi o caso da Anita Chand, a menina que morrera mordida por uma serpente.

Durante o período menstrual, estas mulheres são proibidas de participar em atividades normais do seu quotidiano, bem como as meninas são impedidas de frequentar a escola, o que aumenta ainda mais as lacunas educacionais significativas e perpetua o ciclo da desigualdade de género, limitando oportunidades futuras.

Este isolamento e sujeição das mulheres a condições extremamente duras da prática de chhaupadi transmite-lhes que a sua menstruação é suja e vergonhosa, o que leva ainda a um estigma internalizado, afetando a autoestima e autoimagem das mulheres, contribuindo para o tabu menstrual.

A prática nepalesa é um lembrete impactante de como uma condição natural do ciclo de vida de pessoas menstruantes é ainda influenciada por religiões, mitos e crenças culturais.

À medida que o mundo se torna mais globalizado e interconectado, a consciencialização sobre práticas culturais prejudiciais, como o isolamento menstrual, cresce. Abordar estas questões e os estigmas associados à menstruação é essencial para garantir uma voz, participação igualitária e oportunidades às mulheres, porém, não é suficiente para chegar aos sítios mais precisos, onde não existe acesso à informação ou educação à volta do tema.

Com esta notícia fica claro, por isso, que não basta a destruição única das cabanas existentes, sendo imperativa, necessária, e urgente, a intervenção nas comunidades locais de uma forma premente e regular, através da educação menstrual, não só das meninas, mas de toda a comunidade.

As percepções religiosas da menstruação no Nepal, e em outras partes do mundo, destacam a importância do diálogo inter-religioso e intercultural, aliado à educação menstrual. Ao abordar as discrepâncias entre crenças tradicionais e os valores universais de igualdade e dignidade, as sociedades contemporâneas podem (e devem) avançar em direção a uma coexistência mais harmoniosa e justa, com o lembrete de que ainda há muito a ser feito.

É um equilíbrio complicado, aquele entre o respeito pelas tradições culturais e religiosas e os valores fundamentais como a igualdade e dignidade da pessoa humana, que, porém, não pode ceder na balança dos direitos humanos.

Resta-nos concluir que, embora as proibições legais sejam um passo na direção certa, a transformação duradoura requer uma abordagem holística que envolva educação, consciencialização e envolvimento das comunidades locais. É preciso intervir nas comunidades locais de forma a educar sobre a menstruação, procurando combater os tabus e as literacias existentes.

Referências Bibliográficas:

1. Subedi, B. (2014). From isolation to inclusion: Rethinking chhaupadi in the far-west of Nepal.
2. Poudel, T. R. (2020). Chhaupadi, Menstrual Practices, and Women’s Health: An Anthropological Study from Mid-Western Nepal.
3. Pradhan, R. M., & Subedi, B. (2016). Chhaupadi in the Mid-and Far-western regions of Nepal: Understanding women’s needs.

*Quem é Bárbara Neves?

Nascida em Lisboa, sempre tive a paixão de viajar e o gosto pelo mundo da comunicação. Advogada, licenciada em Direito e pós-graduada nas áreas de direitos humanos e migração, após passar por várias experiências de voluntariado, por exemplo, em campos de refugiados, e exercer na área de Migração, decidi, aos 26 anos, deixar a advocacia e seguir o caminho da Educação e Dignidade Menstrual como um direito fundamental, estando atualmente a aprofundar conhecimentos na área da Saúde da Mulher. A comunicação através da escrita é, para mim, uma terapia e uma forma de demonstrarmos amor, através da expressão, partilha de conhecimentos, troca de ideias, e espaço para crescer.

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Bárbara Neves
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